Toalha de banho por mor
dos picantes muito picantes
Por Antunes Ferreira
Era o goês que conheci – e conheci e conheço muitos – que
mais suava quando comia picantes muito picantes A expressão era dele. Além de
camadas de profissão éramos Amigos. A minha mulher Raquel conhecia-o desde que
el tinha quatro anos. Em Goa, obviamente. A família, no entanto, era oriunda de
Damão.
Quando vinha almoçar ou jantar a nossa casa o ritual
repetia-se: a Raquel ia buscar uma toalha de banho para ele enrolar a cabeça e
o tronco molhados de tanto suor. Um tipo pachola, repentista, irónico, por
vezes mesmo acintoso, mas era um Grande Jornalista.
Falar dos seus muitos méritos profissionais é despiciendo.
Já muitos o fizeram e certamente muito melhor do que eu faria. Aqui apenas
tento falar dos seus contactos humanos.
Vejam só. Um dia em nossa casa no momento à Lapa almoçavam três casais. O Mário
Ventura Henrique e a sua mulher Eglantina, o Oscar (sem acento) e a Natal, a
Raquel e eu.
Foi um almoço para sempre recordar, como reza o anúncio. A
malta comia (muito), bebia (muito) e o maestro ela ele. O Mário esbugalhou os
olhos quando viu a toalha de banho. E ele imperturbável: nunca viste um gajo a
comer picantes muito picantes? A partir de agora já podes dizer que viste… O
ventura Henriques engoliu em seco, perdão, molhado e continuou a conversa
entremeada das comidas e bebidas.
Entrementes os meus filhos vieram à mesa para abastecer os
seus pratos e ficaram como se não fosse nada com eles; já estavam habituados à
encenação, já estavam habituados à toalha de banho, já estavam habituados com
ele. Então meus meninos (o Miguel já tinha 20 anos, já andava no Instituto Superior de Ecomimia e
Finanças, o Paul, com 18, acabara de
entrar em Sociologia e o Luís Carlos, o mais novo estava a prepara-se para
Direito mas para ele eram meninos) como vão de namoradas? Vá, não se encolham
que os papás não ouvem; desembuchem…
A Eglantina disse sotto você, então não perguntas pelos
estudos? E ele: não preciso; sendo filhos da minha prima Raquel têm de ser bons
alunos. Já o pai (que era eu, suponho) para ser burro só lhe faltam as
penas!... Brincava. Caímos na galhofa.
Ele era assim. No entanto era muito sensível e escondia a sensibilidade pela
ironia, sem dar conta sobretudo aos outros que tinha dificuldades nesse jogo de
sombras. A Natal conhecia-o bem e boca calada prudentemente.
Quando terminou o repasto
o tipo avisou: não comam mais! A Raquel e o Antunes Ferreira têm para
jantar outro casal amigo e vão aproveitar estes restos para dar a esse casal.
Aí ninguém pôde retrair o riso. As gargalhadas saíram em catadupas. E fomo-nos
ao café (que não eu porque não o tomo) e aos uísques que eu tinha em
quantidades muito apreciáveis.
E pronto, era para mim assim o Oscar (sem acento) e no meio
do desgosto – chegaram-me as lágrimas aos olhos quando um e-mail me deu a
notícia – bom Amigo, camarada, terno e sensível embora estas qualidades fossem
por ele bem encapotadas. Só uma vez o vi eufórico: quando a sua Carol terminou
o mestrado, o que enunciou a todas as amigas e todos os Amigos, sem esconder o
orgulho que tinha pela filha Carolina, a menina dos seus
olhos.
Mas, podem ter a certeza de que o Oscar (sem acento) era um
Grande Jornalista.
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