A caça ao
voto
Por Antunes Ferreira
A apresentação do programa de Governo do Partido Socialista provocou, tal era de esperar, ondas de choque diversas. No debate quinzenal da Assembleia da República a coligação no poder disse cobras e lagartos sobre o documento que deverá ser aprovado no dia 6 de Junho na assembleia magna do PS.O programa foi então motivo de ataques acerbados cujos autores iam do nosso primeiro Passos Coelho até ao líder parlamentar dos laranjas Luís Montenegro. O CDS, naturalmente, também participou na agressão colectiva.
Por outro lado, Aguiar Branco iniciava o
ciclo Sócrates, tema que servia, serve e serviria de arma de arremesso contra
António Costa. Um verdadeiro leit motiv
para a maioria no poder. O ministro da Defesa chegou mesmo a afirmar que o Partido Socialista queria um modelo de governação
"muito à engenheiro Sócrates", defendendo que a apresentação do
projecto de programa eleitoral dos socialistas "é mais uma sondagem de
ideias, já foi feito esse ensaio com o cenário macroeconómico que aconteceu num
primeiro momento, agora é o projecto de programa".
As acusações
iam-se acumulando. Jerónimo de Sousa,
secretário-geral do PCP, afirmou na quinta-feira última que PS, PSD e CDS-PP "quanto mais
juram mais mentem", Referia-se às alterações introduzidas no sistema da
Segurança Social e as que pretendem
fazer na Taxa Social Única ,TSU. "O
actual Governo anunciou um novo corte de 600 milhões de euros nas pensões e
reformas para 2016. Por seu turno, o PS prepara-se para aprofundar a sua
contra-reforma da Segurança Social de 2007, envolvendo agora também a redução
da TSU para as empresas, tal como PSD e CDS, e que, ao contrário do que se vem
propalando, a mantém no seu projecto de programa eleitoral como uma medida a
implementar a prazo. Aqui o recuo foi: 'não sendo para já, será mais à
frente'"
Ora bem,
estava-se em terreno propício à contenda: a Segurança Social onde o PS defende uma gestão sustentável e transparente dela
que passaria por encontrar novas fontes de financiamento. E também promete
dar prioridade à "avaliação rigorosa" do sistema de Segurança Social,
a fim de devolver a confiança aos pensionistas e garante que não serão feitos
mais cortes nas pensões. Ou seja defende-se uma gestão sustentável e
transparente da Segurança Social, que passaria por encontrar novas fontes de
financiamento e pelo combate à fraude e evasão contributiva.
Para compor o ramalhete surgiu
Paulo Portas que avisou “com amizade” que a Segurança Social é um campo
perigoso e não admite experimentalismos. O vice-primeiro-ministro dava assim a
sua achega à questão, atirando mais achas para a fogueira ou jogando-lhe
petróleo, o que é ainda pior. Mas quem conhece Portas sabe o que vale a palavra
dele, o que adverte e o que jura que tomou uma decisão
irrevogável para de seguida e face a novas ofertas revoga-a irrecusavelmente.
Estava instalada a polémica
sempre saudável em democracia, mas a deturpação das intenções, promessas e
argumentos significava (e significa) que isso não tem cabimento porque os
intervenientes não querem: estamos em ano eleitoral e a pré (?) campanha está
no Parlamento, na rua, no procedimento dos cidadãos, de acordo com o que pensam
e que os concorrentes tentam instilar-lhes como as propostas mais aliciantes.
É a caça ao voto que todos
recusam terem entrado por esse caminho ínvio, mas que todos também praticam
ainda que sem espingarda nem licença de caçador. Portugal é (também) isto.
Poderá argumentar-se que pelo Mundo fora – ou, pelo menos nos países onde há
liberdade e democracia – a prática é constante e inevitável.
Mas querem recordar um exemplo
histórico? No Parlamento britânico, comentando o andamento da guerra e
respondendo a interpelações dos trabalhistas, na oposição, o Senhor
Churchill referindo-se à escalada dos
bombardeamentos afirmou convictamente que se os alemães bombardeavam Londres,
Birmingham, Liverpool e outras cidades da Inglaterra também em retaliação os
bombardeiros da Air Force despejam
toneladas de bombas sobre Berlim,
Frankfurt, Colónia, Hamburgo e
outras.
O Senhor Clement Atlle, líder
trabalhista, que viria a suceder a Churchill no prédio número 10 da Downing
Street, respondeu-lhe “mas que ganhamos nós com isso?” Estava a aproximar-se o
final da II Guerra e as palavras de Atlle ficaram na História. E ainda não
abrira a hunting vote, ou seja a caça ao voto.
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