Coelho no País das Maravilhas
«“Alice no País das Maravilhas” da autoria de Charles Lutwidge Dodgson foi publicada em 4 de Julho de 1865.O seu pseudónimo de Lewis Carroll ficou para a História. É uma das obras mais célebres do género literário nonsense. O livro conta a história de uma menina chamada Alice que cai numa toca de coelho que a transporta para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas, revelando uma lógica do absurda característica dos sonhos.»
(Wikipédia)
Por Antunes Ferreira
Passos Coelho é o heterónimo da Alice no País das Maravilhas. As palavras dele no último debate quinzenal no Parlamento são de outra galáxia, o que pode significar que o “nosso chefe” continua nas nuvens. Recordo-me da classificação das nuvens quanto ao aspecto delas, que me foi ensinada pela minha professora da quarta classe (ainda a havia e duraria ao longo dos anos) a Dona Clélia Marques directora e proprietária da Escola Mouzinho da Silveira. Não garanto a exactidão dos nomes mas eram mais ou menos assim: Cumuliformes e cumulonimbiformes são nuvens de desenvolvimento vertical, em grande extensão; surgem isoladas; dão origem a precipitação forte, em pancadas e localizadas.
Coelho optou pelo balanço da situação económica do país para iniciar a sua intervenção e a dado momento afirmou que para 2015 existe “uma perspectiva mais positiva e esperançosa para todos os portugueses”. E garantiu que a recuperação da economia portuguesa está a ser feita de forma “sustentável e saudável, quer do lado da procura interna, quer o do investimento!”. As oposições – não há só uma - saltaram à estacada, aproveitando o jargão usado pelo primeiro-ministro “Quem não se lixou, deste feita, foi o mexilhão”.
Para Coelho, os portugueses estão (quase) a entrar no País das Maravilhas. Salvaguardou obviamente as desigualdades na população e o desemprego, ainda que de forma reticente. Se não o fizesse, do descalabro passava à anedota (que é). Admitiu que os “portugueses ainda passam sérias dificuldades”. Mas, logo de seguida disse que via ainda “uma trajectória de desendividamento progressivo” e o emprego “a crescer de uma forma muito sustentada”, apesar de admitir “níveis muito elevados” de desemprego. Em que ficamos? Deixe-se de tretas e de contradições senhor Coelho: o desemprego está a diminuir ou está a aumentar?
Quando a privatização da TAP veio à baila, Coelho teve uma afirmação de se lhe tirar o chapéu, uma dicotomia falaciosa. Evidentemente usando termos correctos politicamente reafirmou que a transportadora aérea nacional era uma espécie de tudo ou nada; se é privada safamo-nos; se não é estamos tramados… Isto porque a famigerada Troika quando lhe mandou privatizar a TAP sabia que sem ela os valores da receita das privatizações iam por água abaixo. Ou viver sem a TAP, ou morrer com ela…
Mas no jantar de Natal da distrital do PS/Porto, António Costa referiu-se aos vários "momentos de fantasia" que Pedro Passos Coelho teve, nesta sexta-feira, no debate quinzenal na Assembleia da República, considerando que o primeiro destes relacionou-se com a privatização da TAP. "Ao contrário do que disse o primeiro-ministro, o que estava no memorando de entendimento com a Troika não era a previsão de uma privatização a 100% da TAP. Não, o que estava no memorando de entendimento era que a TAP só seria privatizada parcialmente e nunca na sua totalidade",
Na opinião do secretário-geral do PS, era tarde para evocar o memorando de entendimento, porque este também dizia que a meta prevista para as privatizações era de 5,5 mil milhões de euros e que, "neste momento, o Estado já privatizou mais de 8 mil milhões de euros, bastante mais do que era a meta prevista no memorando". Donde, e ainda segundo Costa, "não é necessário privatizar a TAP, porque o objectivo aí previsto já foi alcançado e, por isso, o melhor que tem a fazer é não vender a TAP e manter esse activo estratégico para o país", declarou.
Ainda segundo António Costa, houve um segundo "momento de fantasia" do debate parlamentar de ontem: foi quando o primeiro-ministro anunciou que Portugal está a recuperar de forma "sustentada e saudável". E acrescentou que "a dívida, ao longo destes anos, aumentou 54 mil milhões de euros, 30 pontos percentuais. Ou seja, temos hoje uma dívida ainda maior do que a dívida alta que já tínhamos quando este Governo iniciou funções. Onde é que está a sustentabilidade que o Governo vê neste processo?”
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Por estes apontamentos colhidos da comunicação social faço uma pergunto que creio ser razoável: digam-me, por favor, se Coelho vive ou não vive no País das Maravilhas. Para mim, vive; mas sem o relógio.
A expressão utilizada por Passos no fim-de-semana passado foi aproveitada pela oposição que criticou o discurso “esperançoso” do governo no debate quinzenal
No último debate quinzenal deste ano, o primeiro-ministro escolheu o balanço da situação económica do país para a sua intervenção e concluiu que para 20115 existe “uma perspectiva mais positiva e esperançosa para todos os portugueses”. E garantiu que a recuperação da economia portuguesa está a ser feita de forma “sustentável e saudável, quer do lado da procura interna, quero do investimento!”. Mas na oposição os ataques foram quase em uníssono, aproveitando uma expressão recentemente usada por Passos: “Quem se lixou foi mesmo o mexilhão.”
O chefe do executivo voltou aos quinzenais dois meses depois (estes debates foram interrompidos devidos aos trabalhos sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano) e repetiu que os últimos dados do Banco de Portugal e do INE mostram que se “mantém a tendência de crescimento”, argumentando que o investimento feito até aqui está a ser dirigido para “o sector transaccionável e não está a ser transformado em betão ou colocado na economia protegida”. Além disso, Passos vê ainda “uma trajectória de desendividamento progressivo” e o emprego “a crescer de uma forma muito sustentada”, apesar de admitir “níveis muito elevados” de desemprego.
Um balanço contrariado pela oposição. Pelo PS, Ferro Rodrigues foi o primeiro a contestá-lo, recorrendo ao que Passos disse nos últimos dias - “desta vez quem se lixou não foi o mexilhão”. O adágio, explicou Passos no debate, foi usado “para dizer que nesta crise todos fomos chamados a contribuir”. Mas Ferro enumerou os efeitos com os cortes em subsídios sociais, “o desemprego de longa duração”, o aumento de trabalhadores precários, “os desempregados que emigraram” para concluir de forma repetida: “Na sua linguagem marítima trata-se de mexilhão ou lagosta, senhor primeiro-ministro?”
Para o líder parlamentar socialista, a análise de Passos teve um “registo de negação, irrealismo e de efabulação”. E acrescentou que o governo está “em trânsito de uma estratégia neoliberal, para uma estratégia neopopulista”, ouvindo Passos atirar de volta: “Não arrancámos com neoliberalismo, mas com o Memorando de entendimento negociado pelo PS.”
Mas no PCP, Jerónimo de Sousa também atacou Passos pelo mesmo flanco, atirando à “insensibilidade social” do governo: “Quem era pobre, pobre ficou e quem se lixou foram os que não sendo pobres, passaram a ser?
É destes que fala senhor primeiro-ministro?“. E o líder comunista ainda se indignou com a análise económica deixada pelo chefe do executivo: “Não venha com o argumento que estamos melhor que a Grécia, até pode dizer que estamos melhor que o Biafra, mas é isso que o consola, senhor primeiro-ministro?”. E Passos defendeu-se garantindo não estar a ignorar os “portugueses que ainda passam sérias dificuldades”.
Já Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, aproveitou a expressão mais repetida neste debate quinzenal para acusar o executivo de favorecer os poderosos. “Quando estão em causa os novos donos disto tudo, abandona logo o
mexilhão”, acusou a deputada bloquista.