sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

CONTRIBUTOS EXTERNOS


O país dos quatro Fs

Por Antunes Ferreira

Em quadra festiva não vou falar do caso BES, de Sócrates, dos submarinos arquivados, da renovação da dívida, nem dessa pequenas coisas que, na verdade, não passam de peanuts. Hoje, antes que me esqueça, tenho obrigatoriamente de desejar a todos os que (ainda) me lêem um Feliz (???) Natal e um Ano Novo muito próspero (???) Recordam-se, certamente, que era a fórmula usada pelos carteiros, guardas-nocturnos, lavadores de rua e outros, na esperança de que os felizes contemplados lhes retribuíssem com umas c’roas.
Eram escritos em cartões de visita, mais propriamente cartolinas, com um canto dobrado, assim â maneira dos outros e continham a calina afirmação “o carteiro da zona `desejam a Vossa Excelência um Feliz Natal e um Ano Novo próspero”. Onde se lê arteiro leiam-se os mais que emparceiravam com o sujeito que entregava de porta em porta cartas, bilhetes postais, avisos de encomendas chegadas à estação, nos tempos em que os CTT não tinham sido  privatizados.
Mas essas figuras típicas de Lisboa saíram do prazo de validade e as cartolinas seguiram-lhes as pegadas. Era ainda a quadra em que se ia comprar o peru ou a fêmea ali junto ao jardim zoológico onde uns senhores munidos das respectivas os traziam em bandos. Balanças não havia o bicho era sopesado à mão, ó freguês o animal é bom e saudável e ao preço que está é mais uma oferta do que uma compra. Discutir-se o preço? Poucas vezes, em Natal ninguém levava a mal, o que também se dizia pelo carnaval.
Em casa embebeda-se o prestes a ser sacrificado, enquanto se iam fritando os coscorões, as filhoses e os sonhos de abóbora. E o desgraçado que já não se tinha nas patas aguardava pacientemente a guilhotina, que, afinal era um facalhão bem afiado. Claro que o assassínio (que em casa não era um genocídio, mas contando as inúmeras casas em que o sacrifício ocorria bem o podia ser). E era depenado e etc.   
O presépio já tinha sido armado, com os três reis magos, os pastores com as suas ovelhas, mais figuras alusivas, alguns tinham pequenas igrejas e ribeiras de espelho com as correspondentes pontinhas e no cimo da choupana a estrela anunciava ecce homo. Contava o meu padrinho e tio Armando que era um iconoclasta assumido: “quando o Baltazar, o Gaspar e o Melchior chegaram ao presépio e viram o menino ladeado por uma vaca e um burro, comentaram:”e é isto a companhia de Jesus?” Os jesuítas até hoje não muito à bola com o dito.
Vejam lá como chegámos à bola. Que é o hoje o leitmotiv desta crónica: o Benfica foi eliminado da Taça de Portugal pelo Braga e no estádio da Luz, o que para quase todos os comentadores e analistas futebolísticos que enxameiam as televisões “foi um facto histórico”… Assim sendo ou não, o acontecimento motivou parangonas nos jornais desportivos, nas televisões, nas rádios e até na Internet, e os quotidianos (que cada vez mais são como os perus…) deram-lhe citações graúdas nas suas primeiras páginas!
Na outra senhora dizia-se que Portugal era o país dos três Fs: Fátima, Futebol e Fado; e continua a ser nos dias de hoje, mesmo depois do 25 de Abril (supostamente conhecido). Fátima continua a registar milhares de peregrinos e até inspira o sôr Silva, com a dona Maria a servir de intermediária. O Fado já é considerado Património Imaterial da Humanidade, o que diz tudo. Por isso o Carlos do Carmo chegou às alturas com apenas um senão: em Belém, o sôr Silva (já citado) vira-lhes as costas porque não gosta dele: é muito à esquerda…
Finalmente, temos o Futebol, onde o Melhor do Mundo é português e chama-se Cristiano Ronaldo, ao invés dos longos tempos salazarentos era o falecido Eusébio e o José Mourinho é muito melhor do que o Otto Glória. A equipa nacional já não joga com bola quadrada e vai fazendo  uns brilharetes nos intervalos das asneiras, ainda que estas sejam cada vez menores.
Porém o “facto histórico” aconteceu na quinta-feira passado tendo por local do crime a “Catedral da Luz”. Com Jesus a lamentar a ausência do Sílvio, do Luisão e outros. Os encarnados (que assim ficaram denominados porque na era do Salazar não podiam ser chamados vermelhos por causa dos comunistas) carpiram mágoas tsunâmica: “Estamos lixados - ou vocábulo similar -, já perdemos a Europa, agora a Taça de Portugal. Que mais nos poderá acontecer, ainda que estejamos em primeiros na Liga e com seis pontos de vantagem sobre os dragões? 

E porque estive relembrando os tempos da ditadura, não liguei peva aos “acontecimentos irrelevantes” que enunciei logo no início do escrito, vem-me agora mesmo à boca a afirmação que então corria: “quem não é benfiquista não é bom chefe de família”. Pois é, o país dos três Fs que agora são quatro porque há que lhes acrescentar… e Fo…rnicados.

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