ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO
Gil Monteiro*
Fomos criados para viver em comunidade. Somos seres
gregários, em que a sobrevivência individual é rara, mas sempre auxiliada por
outros elementos da natureza, nem que seja só o murmúrio de uma queda de água
ou o rugido de uma fera, para lá dos canais de isolamento! Claro, passa a
expressar apenas esses e outros sons, deixando de falar ou articular palavras.
Isolar pessoas (os mais velhos) é acelerar a sua morte. Daí a necessidade das
“conversas chatas” dos idosos e os excessos de comunicação digital dos jovens.
Quase meninos, andam com telemóvel na mão e auscultadores nos ouvidos.
Resta às pessoas caseiras a televisão e os animais para
quebrarem um pouco os isolamentos! Ia dizer, mesmo com empregada(o)
domiciliária(o) – quem os pode ter! – as plantas das janelas ou cultivadas nas
marquises são meios ótimos para passar o tempo e ter salsa fresca para os
cozinhados!
Criado em aldeia transmontana, onde as casas de lavradores
tinham o seu cão e gatos vários, de entrada e saída de casa livre, apenas
impedidos, tapando o buraco próprio, quando o porco morto secava pendurado numa
trave do telhado da lareira. Tive, pois, mais contactos com os cães, chegando a
ter um só meu, enquanto fui para a quinta de Provesende, para poder frequentar
a 2ª classe, devido à Regente Escolar de Roalde ter emigrado para o Brasil! Os
gatos são mais fofos e ariscos. Era raro encontrar um que pedisse colo ou desse
colo. Estar no escano da cozinha não era com eles, estavam receosos do excesso
de calor ou de apanhar pingos de água quente. Quando escolhi um bonito, todo
pretinho, levei-o, metido num saco, no cavalo a caminho da quinta, na passagem
pelos povoados, berrava, berrava!...
– Levas aí um gato
roubado! – Ouvia à volta do cavalo.
Aberto o saco, na grande cozinha lajeada da quinta, deu um
salto, fugindo para a zona de salas, quartos e jardim. Adeus, gato! Não foi
mais visto, nem sentido...
Passados meses, no regresso do caminho da Escola, vindo pela
mata de pinheiros, tinha à espera o velho caseiro, Balhestra (!). Esbaforido,
só conseguia balbuciar:
– Ó menino, ó menino,
venha ver o que apareceu na cozinha!...
Corri. A Maria Soqueira, de mãos postas, apontou um canto da
cozinha, dizendo: “estão ali dois gatinhos pequeninos”!... Esperámos: surgiu
outro filhote na boca de um bichano preto!
Seria o meu gato preto uma gata?!...
Sobreviveu no monte, mas não deixou de defender a
prosperidade da sua comunidade.
As minhas cabacinhas, cultivadas na horta, ficaram mais
bonitas, deixaram de ser atacadas por ratos! Pena não servirem para o vinho precioso,
só utilizadas para vinho de consumo e aguapé doce das borras do vinho do Porto,
depois de levado, em carros de bois, para os barcos rabelos, atracados no
Pinhão.
Temos, no Porto, uma cadela arraçada de nobre espécie, salva
da morte, em cruzamento de muito trânsito, onde foi abandonada, com coleira e
trela. É muito irrequieta, mas muito meiga. Tem o condão de me obrigar a vir à
rua passear ou fazer novos amigos. Quando a conversa estica, senta-se, cheia de
paciência no passeio da rua; quando o telefone fixo toca, faz ai, ai, ai até
ser atendido; não ladra e os moradores gostam dela...
Porto, 10 de dezembro de 2014
*José Gil Correia Monteiro
jose.gcmonteiro@gmail.com
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