quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

CONTRIBUTOS EXTERNOS


Mais uma estória do Henrique Antunes Ferreira, que anda lá para os Orientes




GRALHAS SEM GRALHAS


Four o’clock tea, am



Antunes Ferreira

Uma nota prévia impõe-se já: este textículo abre uma secção
que diz respeito a Goa e outras Índias, mas é sobre o
Médio Oriente. É certo que se refere à viagem
que me ligou Lisboa a Panjim; e por isso aqui aparece. Transportadoras foram a TAP que me levou

a Barcelona e a Qatar que foi até Doha,
a capital deste país de petróleo e gás e por isso
 o que tem o maior PIB do Mundo e dela até Dabolim,
o aeroporto goês. Doha onde se pernoita
nas 19 horas da escala, o que permite dar uma
.rápida volta por ela e arredores. É dessa noite
 que trata esta ameaça de crónica…

NO QATAR NUNCA tinha posto um pé, quanto mais dois. Desta feita, fi-lo. Mas, de que maneira… Conto, jurando por tudo o que seja mais santo – eu não – que é estória verdadeira, acontecida de 9 para 10 deste mês de Janeiro que iniciou o ano de 2014. Desde Lisboa que a minha mulher, já sabem, a Raquel, trazia debaixo do braço um princípio de gripe em estado juvenil muito satisfatório; na chegada à cidade condal os sintomas atingiram a puberdade. Ao sentar-se no avião médio-oriental da Qatar Airways, a febre subira: atingira a maioridade.

EM DOHA FOMOS tal como estava programado até ao Hotel Al Rayyan, da cadeia RETAJ. Entretanto, quase passei por cima de uma minudência chamada aeroporto
Doha - aeroporto
 ; moderno mas de tal forma pejado de gente dos feitios mais diversos, cores, vestuário, religiões, falas, disposições, intenções et aliud que mais parecia uma colmeia em que a rainha tivesse abdicado sem ter sucessora. Uma aflição e, ainda por cima, maioritariamente em árabe. Entrar foi fácil; passar da manga para terra firme não tem nada que saber. Sair, procurando o transfer para o hotel é que nem comento: ao fim de duas horas e picos lá se apanhou a ditosa viatura.

VOLTA MAIS, revolta menos, o destino (e o front desk chief, mais prosaicamente o chefe da recepção) entregou-nos a chave do quarto 201; apenas entrados, a Raquel, ardendo até aos cabelos, descalçou-se e meteu-se na cama. De acordo com o termômetro, exibia uns 39 a cair nos 40, mesmo à sombra. Eram quatro horas da matina, mais coisa, menos coisa, e para tomar nova dose de Efralgan (paracetemol + vitamina C) o ideal era um chá quentinho. Tentei o Room Service. E apesar do hotel ser de cinco estrelas ou mesmo mais, o silêncio foi total. Pelos vistos, em árabe é igualzinho ao que se usa em português – nada.
 
A menina usa um tchador soft
DESCI ATÉ À recepção onde pedi a um dos seis elementos que por ali se deixavam estar - dos quais dois aparentemente de serviço, ua senhora e um cavalheiro,´- um chá bem quente para o quarto 201. A moment, sir. Reunidos em assembleia-geral os rapazes chegaram a uma conclusão: o porta-voz pediu-me, please, call the Room Service, Sir. Elucidei-os que já tentara, mas que o resultado fora desanimador. Os seis voltaram a reunir-se e deliberaram solicitar ao representante que me atendia que continuasse as negociações. Chegou-me a mostarda ao nariz, às orelhas; ao queixo, à face, aos escassos cabelos e destravei o gatilho.

DO I FURFILL an apliance for a tea? Tenho de preencher um requerimento para um chá? O tom usado pareceu esclarecedor mesmo para um árabe – seria? – e daí para frente as coisas  softizaram-se: preto ou verde? Preto. Com leite ou sem? Sem. Com açúcar ou adoçante? Com açúcar. Podia regressar ao maldito 201, era só um instantinho e pronto. Retornado ao quarto, a Raquel continuava a fumegar e, ainda por cima, não sabia onde metera o termômetro, tocou o telefone. Era do ditoso Room Service.

QUANDO O SERVICER me perguntou qual a cor do chá, preto ou verde, explodi no mais puro vernáculo. O referido membro do tal Room Service, optou por uma prudente retirada, talvez içando a bandeira branca, não o pude verificar do lado de cá do fio, e, finalmente lá veio a aromática infusão que a Raquel engoliu juntamente com os comprimidos efervescentes. Eram quase seis da manhã. Deitei-me, depois de convenientemente despido, e ferrei o galho.
 
O Al Rayyan bem situado
HORAS DEPOIS, quando o grupo de que fazíamos parte regressou do passeio tomava eu, melancolicamente, o pequeno-almoço. Fora uma noite palpitante e tinha inventado ao arrepelo de qualquer súbdito  de Sua Graciosa Majestade, o four o’clock tea, am. Do Qatar, mais precisamente da sua capital que já começou a preparar o Mundial de Futebol de 2026 ou algo assim, o que conheço – e sem grandes pormenores – é o quarto 201 do Hotel Al Rayyan. Talvez um dia ainda venha a conhecer um pouco mais. em febre, a esperança é sempre a última a morrer.

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