Mais uma interessante crónica do Zé Gil
Dia de Reis
*Gil Monteiro
Hoje é Dia de Reis. Grande dia foi.
Agora, já não é. Os tempos mudam, têm mesmo que mudar: a evolução positiva ou
negativa faz parte da existência da vida. Décadas de subsistência serão
suficientes para observar as mudanças profundas?!
Por assistir ao esquecimento do dia
de Reis, e apenas se ouvirem o cantar das janeiras, daí ser o tema para a uma
crónica – assunto quixotesco, de criatura nascida em aldeia transmontana!?
O pedir e o cantar dos Reis eram
obrigatórios. Os mordomos da Festa de Santa Maria Madalena tinham que recolher
o fumeiro, orelhas do porco e presuntos; bem como milho, centeio, feijão, vinho
do Porto ou azeite; e outras prendas, a serem leiloadas, nas escadas graníticas
da capela, após a missa dominical. O maior sucesso do leilão era a venda de
pratos de aletria, finalmente ornamentados a canela, e as caixas dos segredos
(!), onde, o ter de dar um beijo à Alice fazia bater o badalo da sineta! Um
cálice de vinho Fino, tapado com uma bolacha, podia ter mais valor que o ganho
de um dia de trabalho a cavar de sol a sol! Os moços casadoiros, trabalhadores
semanais nas vinhas do Pinhão, eram os mais competitivos, e ainda ofereciam
talhadas de aletria, na ponta das navalhas, aos amigos e conhecidos. Os
produtos sobrantes eram vendidos a olho ou guardados pelo Américo, para
possíveis compradores. Os foguetes, os músicos, a armação dos andores tinham
que ser pagos!
O presépio, armado ao lado do altar
principal, era um esmero de perfeição, carinho e muita ternura. O Armando,
seminarista em Vila Real, era o arquiteto teórico e prático. As figuras
bíblicas, compradas antes de vir para férias, esperavam pela construção. As
gentes do campo, as ovelhas e o cão apareciam, ofertadas, por encanto, vindas
de todos os lados. Os montes e vales, revestidos a musgo de caminhos tortuosos,
feitos a farinha e farelo, iam ter à Gruta Sagrada. Por influência do grande
rebanho de ovelhas, vindas, em transumância, da serra da Estrela, e os safões
do Sr. João e ajudante indicaram o caminho (!) à estrela do presépio; agora,
suspensa por linha invisível do teto da capela. Belém seria perto do ponto mais
alto de Portugal?!
Da missa do galo até à do feriado de
dia de Reis o Menino Jesus, dado a beijar pelo padre de Abaças, mudava de
tamanho e visual: no domingo de Ano Novo só tinha um pezinho a descoberto e
todo de bibe, colocado no Altar para ser beijado! E as figuras bíblicas?! Todos
os dias deslocadas um pouco, nos caminhos tortuosos do musgo. E o Gaspar, quase
a chegar à gruta e não poder ser apeado do camelo?! Solução:
– Foi enterrado no estábulo, coberto com
palha, só de cabeça livre, para poder ofertar o Deus Menino!
Pior foi a minha cabrinha de
porcelana, de buraquinhos no lombo, quando serviu de paliteiro (!), ao ser
deslocada pelo Armando, causou espanto! Saiu de cena e, não sei como, voltou às
antiguidades do guarda-loiça! Dentro da gruta só os Reis Magos podiam entrar. A
magia era tanta que parecia mesmo a oferta do ouro, incenso e mirra, cumprindo
as citações do Evangelho, segundo S. Mateus. O rei Herodes podia esperar, pois
tinha nascido o rei dos Judeus!
As cenas bíblicas do presépio
continuavam na mente das crianças. Apenas um caso:
O Sr. Prior convocava as crianças da
catequese, nos domingos de primavera, para a capela da serra da Sr.ª da
Azinheira. Pelos caminhos, faziam-se explorações no meio ambiente, dando caça
às lagartixas e pássaros; enquanto jogavam às pedradas, o Toninho berrou:
“Vinde ver, vinde ver...”!
– Estas covinhas (no granito do caminho) foram
feitas pela burrinha de Nossa Senhora, quando fugia, com o Menino, para o
Egito!
Porto, 6 de janeiro de 2014
*José
Gil Correia Monteiro
jose.gcmonteiro@gmail.com
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