Aí vai mais uma das estórias do Zé Gil
AS HORTAS
Gil Monteiro*
Na
aldeia transmontana, deixava de ser pobre, pobre, quem tinha uma hortinha!
“Sempre tinha onde poder colher umas couves” – dizia a Maria do Viúvo, quando a
Joaquina morreu, e foi necessário a junta de freguesia ofertar o caixão, para
ir ocupar os sete palmos de terra no cemitério de S. Martinho.
O
misticismo de ter uma horta era tal, afastando o fantasma da pobreza, de andar
de porta a porta e de aldeia a aldeia a esmolar, que Roalde era rodeado por
pequenos agros, mais pequenos que a loja dos bois! Entre esses quintais,
utilizados nas brincadeiras de rapaz, um era ocupado por uma única macieira
frondosa! Serviu de “Meu Pé de Laranja Lima”, como tão bem escreveu, o escritor
brasileiro, José Mauro de Vasconcelos, de ascendência transmontana.
As
nogueiras davam um “ar fresco “ nas tardes de canícula e as variedades de
ameixas faziam a pequenada sorrir e davam coragem para os banhos nas poças da
Tenaria, desocupadas dos molhos de linho, a serem macerados e espadeirados, nas
bancadas graníticas do Peitoril. Só o tio Brás, artista de fazer estrelejar
foguetes, na festa bianual, e tocador de concertina, transformou os seus dois
quintais em jardins! Ver lindas rosas, alecrins, açucenas, e cabaceiras, era um
assombro! Só na feira de S. Martinho ou no jardim da Carreira de Vila Real, se
podia ver semelhante. Mais: nunca o rapazio tratou mal as plantas do tio Brás,
apesar de ele morar no fundo do povo, e nem sempre estar por perto. Por ter
acesso livre, e por aprender muito com o hortelão, sentia-me um privilegiado. Quando
a Amélia do Carumba, munida de escada, convida os garotos crescidos, para
apanhar os abrunhos, em planta alta e esguia, na pequenita hortinha, nas
traseiras de minha casa, fiquei perplexo: oferta de todos os frutos a toda a
gente; e deixava de os ter à disposição, pela janela de minha casa, apanhados
das copas mais altas!
Era
um vício tirar essas ameixas, rainha Cláudia, doces e apetitosas da Sr.ª
Amélia, pois a casa também tinha uma latada de uma grande videira, que nunca
era vindimada, tendo sido habituado a ir colhendo os cachos, pela janela da
rua, em competição com abelhas de deixarem ficar apenas a pele aos bagos.
Fomos
criados para viver em vida rural. O êxodo para as cidades está a acabar. Vai
começar outro ciclo: voltar às origens...
É na
Baixa Portuense que podemos ver bonitos quintais, e bem tratados, nos prédios
não abandonados. De comboio de S. Bento para Campanhã, nos intervalos dos
túneis, tirando os olhos do lixo, junto às linhas (agora menos), vemos hortas,
onde as laranjeiras, limoeiros e couves-galegas, altas, parecem dizer adeus, ou
bater palmas ao ritmo do trem, trem, da linha férrea!
Foi
um Almada que, pretendendo por a cidade em melhor contacto com o norte, mandou
abrir a rua de Costa Cabral, vendendo talhões de terrenos para construções,
próprios para casas e quintais; obrigava a abrir poços de abastecimento e rega,
individuais ou meeiros, entre parcelas contíguas. Algumas hortas sobreviveram e
têm árvores, onde os pássaros nidificam! Os galinheiros e coelheiras foram
morrendo, conforme os supermercados passaram a vender pernas de frango! A
propriedade horizontal decretou a extinção do uso. Retalhados pelos donos dos
andares dos novos prédios? Mas, devido à crise, começam agora a verdejar...
Chegou
o tempo do regresso às origens?!
Os
novos empreendedores agrícolas, a rumarem para as aldeias e quintas ou
herdades, vão fazer o renovado Portugal. Até os burricos transmontanos, em vias
de extinção, já agradecem ao Criador!
Porto, 29 de julho 2013
*José
Gil Correia Monteiro
jose.gcmonteiro@gmail.com
2 comentários:
uma pérola no meio do desânimo... boa divulgação.
uma pérola no meio do desânimo... boa divulgação.
Enviar um comentário