quarta-feira, 4 de setembro de 2013

TEXTÍCULOS


Aqui vai mais um textículo (como lhe chama o autor), do insígne jornalita e blogger Henrique Antunes Ferreira ("A Minha Travessa do Ferreira"), que nos dá a honra de o publicar.


Lázaro ressuscitado

Antunes Ferreira
Sinónimo de bom orador na língua portuguesa é António Vieira, ou para ser mais preciso, o padre António Vieira. São mais de 500 os seus sermões, dos quais o Mais conhecido é, indiscutivelmente, o de Santo António aos Peixes. A oratória foi pelos séculos XV, XVI, XVII e XVIII, praticada pelos sacerdotes do alto dos seus púlpitos.

Já na Antiguidade a fama de Demóstenes em Atenas e de Cícero em Roma na arte de bem falar, perdurou por séculos e séculos e ainda hoje se refere que o grego, gago de nascença, usou para corrigir a dicção, falando com seixos na boca; isto durante uns anos até se tornar o orador que assim entrou na História Universal.

Por seu turno, o romano ficou célebre pelos seus discursos entre os quais se destacam as catilinárias, feitos no Senado de Roma e perante o povo, contra Catilina, um nobre que tentava destruir as instituições republicanas. Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? A frase continua e continuará a ser usada.

O padre Teodósio, Teodósio de Jesus Pimenta, nascera com o dom da palavra. Nascera, crescera e chegara a sacerdote empunhando a oratória como arma de arremesso contra o demo e seus seguidores, em nome de Cristo ainda que não se saiba se este lhe terá passado procuração para o efeito. Afastem-se minudências sem grande valor.

Todos os Domingos saía sermão, sem falha, sem hiatos, persistente, pontual e verdadeiro. Pastoreava uma freguesia, onde vivia com sua irmã Celestina. Diziam as más línguas que era apenas uma justificação perante o mundo, pois que Teodósio e Celestina partilhavam a mesma cama. Adiante; línguas viperinas.

Pois numa manhã de Domingo, Teodósio acordou rouco. Rouco? Rouquíssimo. E o sermão? Nisto meditava quando se dirigia à igreja paroquial e por isso disse com decibéis negativos ao sacristão Jaquim. Como iria ser? Ninguém o entenderia com aquele falar roufenho. Uma desgraça!

Jaquim atalhou a desdita: Padre Teodósio, hoje é a homilia sobre o Lázaro e eu já o ouvi tantas vezes que a sei de cor e salteado. Vou eu para o púlpito e digo-a ao seu rebanho. Nem pensar, tu és um desbocado, nem que lavasses a boca vinte vezes em água benta deixarias de o ser. Nada, padre; eu subo e o senhor fica cá em baixo e no caso de alguma derrapagem avisa-me e eu corrijo.

E assim foi, ainda que o bom clérigo desconfiasse do que poderia acontecer; atento, foi ouvindo. Lá em cima, o Jaquim começava: Voltara o tipo à Judeia e padre Teotónio dirigindo-se ao sacristão: é Jesus, Nosso Senhor. E o orador, pois meus irmãos, enganei-me: voltara Jesus Nosso Senhor à Judeia e ao chegar a Betânia vieram umas gajas aos gritos

Não são gajas! São santas mulheres, entre as quais Marta a irmã do falecido que informou o Senhor da morte de Lázaro, sepultado já há quatro dias e o sacristão emendou, ipsis verbis, prosseguindo: só tu, Senhor o podereis ressuscitar. Então as santas mulheres conduziram Jesus Cristo, à tumba de Lázaro. Ali chegados


O eclesiástico pensou de si para si, o Jaquim entrou nos eixos. Safa! O dito cujo prosseguiu: O filho de Deus impôs as mãos e disse Lázaro levanta-te e anda. E o ressuscitado levantou-se e andeu. Teodósio quase perdeu o tino e, regougou para cima: é andou, estúpido, é andou, estúpido. O sacristão; pois andou estúpido durante três dias e depois passou-lhe   

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