segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ESTÓRIAS DO ZÉ GIL

QUADRAS FESTIVAS




Gil Monteiro*



O mundo rural, e mesmo o citadino, vivia muito os acontecimentos relevantes ao longo do ano. Do género: “No Santo António (festas da cidade de Vila Real) hei-de comprar um cuco” – ocarina de barro pintado, que cheia de água, imitava o gorjeio dos pássaros; na romaria dos Remédios, vamos comprar bons melões; é preciso por mato (giestas e fetos) na rua enlameada, pois o Carnaval está à porta, e a canalhada precisa de brincar! Mas, eram as festas e romarias as datas mais marcantes. Até a pequenada ia amealhando uns tostões para, no meio da poeirada do bailarico da festa anual, poder comprar raminhos coloridos, com rebuçados dentro, e garrafinhas de refresco de limão ou, quando o dinheiro dava, os pirolitos!

As cavas e redras das vinhas acabavam pela Senhora da Ribeira, passando o pessoal a cumprir manhãs e tardes, com descanso nas horas de canícula ou a dormir a sesta. No tempo das malhadas, aparecia o bago pinto e os figos lampos, nos socalcos junto ao rio douro ou pinhão. Os momentos das vindimas iam chegar. Os familiares lisboetas ou portuenses viriam passar uns dias de férias (ainda não se falava em emigrantes, muito menos em turistas).

A quadra mais requerida era a do Natal! Não só os difíceis trabalhos agrícolas, podas e apanha da azeitona terminavam, como iam voltar as doçarias e os brinquedos! A confraternização dos jogos do rapa, dos confeitos e do pião estavam perto. Mas, o mais importante era o armar do presépio, na capela (grande) do local! Todos colaboravam na obra – novos, velhos, meninos e meninas. Ao colher musgo numa parede, despertei a hibernação de uma lagartixa!

Nem sempre havia uma fornada de pão na aldeia, no dia de representar os caminhos de Belém com a farinha. A Ana do forno oferecia os restos da gamela. As figuras bíblicas e rurais eram desempacotadas e complementadas, com outras adquiridas no bazar dos Três Vinténs de Vila Real.

Havia um ponto discutível: onde colocar, nos caminhos entre montes, os Reis Magos, pois só no dia de Reis chegavam à gruta do Menino Jesus?! Mais: como tinham de ir caminhando, eram mudados de posição!

Em terra fria transmontana, metia dó ver o Deus Menino apenas de fralda e rodeado de palhinhas centeias. Mas, na missa de Ano Novo, já estava tapado e resguardado da friagem do lajedo da Capela!

O Sr. Prior dava a beijar, desde o Natal aos Reis, diferentes figuras do Menino. Em Janeiro, tinha saial branco e ficava de pé na pedra de ara. Como cresceu tanto?!

A minha simpatia ia para o boneco de um pastor, a transportar ao ombro um cordeiro – lembrava o Sr. João de ceifões, vindo da Serra da Estrela, com as ovelhas em transumância e cães de coleira de pregos!

É curioso:

A maioria das festividades vão perdendo interesse ou mudando para outras. Os concertos musicais são um exemplo, ainda que as antigas bandas de música toquem nos coretos e acompanhem a procissão. A época natalícia vai-se alargando, e, os presépios, mesmo ao vivo, são cada vez mais numerosos, batendo a concorrência das bugigangas chinesas e os pinheirinhos enfeitados. Em novembro já há enfeites natalícios!

A Páscoa é e será sempre a Páscoa. O Domingo de Ramos, com os ramos de alecrim e hastes de oliveira, e a visita do compasso, renovam o tempo. Os campos floridos fazem pensar na Mãe Natureza.





Porto, 16 de janeiro de 2013







*José Gil Correia Monteiro

jose.gcmonteiro@gmail.com

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