quarta-feira, 10 de outubro de 2012

ESTÓRIAS DO ZÉ GIL

Aí vai uma crónica interessante do Zé Gil


ANIMAIS CITADINOS



Gil Monteiro*



“Quem estima os animais tem bom coração”, dizia a Maria Lara para a prima, quando a visitou, e viu a cadelinha híbrida de reconhecidas raças. Tinha sido recolhida na movimentada rua de Costa Cabral, abandonada e quase a ser atropelada.

O coração não é mais que o órgão, agora estudado como um aparelho propulsor da atividade, deve ter células benemerentes que levam a gostar e acarinhar os seres vivos. Portanto, os rurais mudados para a urbe, se pudessem, levariam as ovelhas! Mesmo os cães e os gatos nem sempre são aceites pelos condomínios. Mas, pequena vingança, enchem as varandas ou sacadas e escadas com plantas, e mais plantas, por vezes pequenas árvores de fruto! Moderno, moderno, são os andares com terraços ajardinados, onde oliveiras velhas do Douro passaram a frutificar! Mais: dá gosto observar a antiga Praça Lisboa (Clérigos) transformada em olival relvado, com lojas novas por baixo do prado!

Explorando os campos de Paranhos, ainda podemos ver atividades agrícolas e alguns animais domésticos. O cantar do galo madrugador vai-se ouvindo. Propriedades rurais, escondidas entre prédios novos, ainda se encontram. Metem dó as antigas latadas abandonadas serem invadidas pelas silvas. As amoras têm melhor paladar que as uvas dos raquíticos cachos. Os muros, em perpianho de granito tosco, limitavam velhas habitações, as hortas e o poço. Devido à abundante camada freática do Porto, as residências eram obrigadas a terem poços de água, pois os fontanários eram poucos, e não havia água canalizada.

Pessoa amiga herdou uma dessas casas antigas e anexos, “perdida” entre as urbanizações da avenida Fernão de Magalhães e Costa Cabral, perto da Areosa. Fez as obras de adaptação, com uma condição: conservar o muro alto de granito, que separava a residência da única rua lateral. Criou um paraíso, transformado em inferno. Como das janelas de casa não se vê, e a rua tem pouco movimento, os carros param, e são atirados gatos e cães rejeitados para o jardim! Está farta de oferecer animais, e correr para os serviços de veterinária.

No Porto existem poucos cães vadios, já gatos são muitos, por terem maior poder de sobrevivência: não passeiam nas ruas, caçam bicharada, e até pombas; têm refúgio nos arbustos dos campos abandonados, e não são apanhados, pois metem-se por baixo dos carros estacionados. Alguns vivem e procriam nas garagens, e aproveitam as aberturas da porta para, pacatamente, fazerem os seus passeios ao ar livre. O tempo das portas das lojas terem um buraco, para entrada e saída dos gatos, já lá vai!

Como na minha rua há uma escola secundária, com zonas verdes arborizadas, à volta dos pavilhões e dos campos recreativos, é um alfobre de gataria. Suponho que o carinho dos alunos, professores e funcionários, mais os restos das merendas, são responsáveis pela existência.

Mas, há senhoras muito ternurentas para os gatos vadios, talvez por não terem condições de os albergar, formaram uma comissão de tratamento dos gatos vagabundos da rua e arredores, cuidando:

A alimentação diária, e escondida da cobiça das gaivotas e pombas, contagem ou identificação;

Apanhar, e ir ao veterinário castrar as gatas ou outros tratamentos.

A hospedaria é tão boa que um gato persa agarrado, entregue ao dono, voltou para a liberdade!



Porto, 3 de outubro de 2012





*José Gil Correia Monteiro

Jose.gcmonteiro@gmail.com

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