sexta-feira, 13 de julho de 2012

CRÓNICAS DO ZÉ GIL

Cá vai mais uma crónica do "contribuinte" Zé Gil:



PÃO de FAVAIOS


Gil Monteiro*

Falar do afamado Pão de Favaios não é fácil. Está tudo dito ou redito, mesmo sobre o Museu do Pão, criado ou a criar. Mas, como pão da minha criação, muito lhe devo. Assim, continuo, sempre que possível, a comprá-lo na cidade do Porto e outros locais.


Não contava obtê-lo, em São João da Pesqueira, no último fim-de-semana. Não era bem o de antigamente, mas quase e para melhor. Era um pouco maior, os cantos (escachos) mais salientes, sem pó de farinha a cobri-los, e acondicionados em saco plástico transparente. Foi uma delícia petiscar, com pão de Favaios, um lanche!


Os pães sobrantes resguardados continuaram a satisfazer o pecado da gula, acompanhando o vinho de touriga duriense e o presunto de Lamego. Os amigos obsequiados, disseram:


– Isto sim! É século XX...


Na aldeia transmontana, o pão nosso de cada dia era a broa de milho caseira, quase sempre fresca pelas trocas, entre fornadas de familiares. Após as malhadas do centeio, as broas passavam a pão escuro desse cereal. No tempo de grandes crises, faziam-se broas de cevada! O trigo de Favaios, entregue uma vez por semana, era utilizado nas torradas, sopas de leite, nas merendas para a Escola, ou ofertar as visitas.


O Sr. António, padeiro de Favaios, ia a Roalde só aos sábados. O seu macho tinha na albarda dois cestos vindimeiros cheios dos trigos, e retirados conforme as entregas e as vendas. Ao saírem do cesto recebiam um toque e libertavam pó de farinha, e faziam água na boca aos catraios da rua! Os pães, comprados para a semana, eram acondicionados numa lata de tampa. Estavam sempre ótimos para comer com queijo, e nunca criavam bolor.


Quando as vendas decorriam bem, o António Padeiro ia beber um copo de vinho à taberna do Pirolito, montava, a seguir, o macho entre os dois cestos, dizia adeus, e trotava para S. Martinho.


No Natal, Páscoa e a festa da aldeia fazia visitas extras. Entregava as encomendas de trigo para as rabanadas, folares para afilhados e pão chique para as refeições festivas (os padres e músicos não podiam ser tratados a broa!). Nessas alturas tinha tempo de poder exercer o seu saber de vedor de água! Era mesmo perito.


Vi-o marcar, com o êxito futuro, o poço do Rodrigues, nas terras das Pereiras. Quando o seu relógio, suspenso pela corrente, começou a oscilar, feito maluco, fiquei de boca aberta! Não seria bruxedo?! Nada disso. A água descoberta veio a regar o milho e o batatal de uma leira nossa, nesse ano de forte estiagem.


Apanhei o vício da prospeção de águas. Aprendi e exerci mas, como vedor nunca consegui, mesmo armado de varinhas ou pêndulos, qualquer efeito!


O que nunca perdoei ao padeiro de Favaios era a entrega dos folares, não ia a minha casa. Não tinha culpa alguma, pois não havia encomenda, pois o meu padrinho era S. José! Eu conto:


Existia o uso de os pais ou sogros batizarem os netos (seria para não serem apelidados de avós?); como estava determina ter o nome de José e a avó ter ficado viúva e a viver no mesmo lar, com o acordo do Sr. Prior, o padrinho escolhido foi o Esposo da Virgem Maria e a avó a madrinha, passando a ser a mãezinha para os netos!


Não havia entrega de ramo ao padrinho, logo, não havia direito de receber o folar de Favaios!

Porto, 10 de Julho de 2012-07-10

*José Gil Correia Monteiro

jose.gcmonteiro@gmail.com

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