quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

CONTRIBUTOS EXTERNOS

NA MARGEM DO MANDOVI


 0HERALD0

Antunes Ferreira em Goa



Corre tranquilo o Mandovi a caminho do oceano Índico que o espera. Está uma noite deliciosa, não faz muito calor e até desliza  uma brisa, termo que aqui é muito usado… quando ela ocorre. No rio os barcos casinos fosforejam num arraial de cores; há tempos, mais precisamente dois anos, pude ler em 0HERALD0 que o Governo do estado ia proibir os navios onde funcionam os casinos; mas foi sol de pouca dura; o turismo, a segunda fonte de receitas de Goa, tem muita força, a corrupção também e eles lá estão, carregados de luzes que anunciam a riqueza, a felicidade e a plenitude para toda a vida. Isto é, para se encherem de rupias ou preferencialmente de dólares, de euros ou de libras inglesas, moedas correntes em Goa paralelamente com a indiana.

Estou sentado na esplanada Riviera  que pertence ao hotel Mandovi, do outro lado da rua, que foi construído no tempo dos Portugueses e depois da invasão muito remodelado. Comigo estão a Raquel e o doutor Zito Menezes, que foram colegas no então Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, uma instituição com muito peso, fundada em 1854 e encerrada em Dezembro de 61, Janeiro, Março e Abril de 1962. Os dois parecem irmãos gémeos, ambos não gostam de arroz (???) a não ser do basmati e bem solto cozido a preceito para não ficar duro nem empapado. Para Goeses isto não se compreende; mas o problema é deles.

Abro o tema da conversa. O HERALDO era um diário do tal tempo dos Portugueses e obviamente escrito na nossa língua. Ainda o encontrei em inglês mas com duas páginas em Português. Li-o pela primeira vez em 1980, aquando da minha primeira visita a Goa. Em 82 já era todo em inglês. No entanto havia que mudar o título para que não fosse exemplo da colonização lusa; mas como queriam mantê-lo “disfarçado” arranjaram uma solução gráfica. Os “O” inicial e final foram “transformados” em “adereços” do mesmo título; daí 0HERALD0… A imaginação tem coisas…

Há dois anos o diário entrevistou-me. A jornalista que veio falar comigo fez um excelente trabalho. Chama-se Diana Fernandes, faz parte da comunidade católica cada vez mais reduzida mas, apesar do nome, só fala inglês e concanim. Mas disse-me que depois de me entrevistar tinha gostado tanto da conversa que ia apender Português. Achei quase carinhosa a ideia. Transmiti-a ao Alexandre Moniz Barbosa, um dos editores do periódico e meu Amigo.

Alexandre tinha sido o editor do “Times of Índia” (Goa), um dos maiores jornais do Mundo com delegações em todos os Estados da India e decidira mudar para 0HERALD0 onde também tinha a mesma categoria profissional, mas já foi promovido sendo hoje editor executivo; fala correctamente Português. E quando há dois anos fiz uma conferência na Fundação Oriente, no bairro mais castiço da capital, Fontaínhas, foi ele o meu tradutor, pois o meu inglês não é suficiente para uma palestra. Para uma conversa ou para uma entrevista chega-me…

Moniz Barbosa e eu tornámo-nos  bons amigos e até já tenho escrito umas “coisas” de Lisboa para o quotidiano. Mas, agora o que está na moda é o novo primeiro-ministro português que apenas eleito passou a ser conhecido pelo “Gandhi lisboeta”. Agora, António Costa é conhecido: o chefe do Governo Português é luso-indiano. A História é muito complicada, eu diria até muito traiçoeira. Num Estado como Goa subsiste algum anticolonialismo em relação aos lusos. Um exemplo: falar Português é indício de neocolonialismo, mas há quem negue a afirmação –o que acontece com muito boa gente, incluindo – pasme-se hindus.

Na cavaqueira agora a quatro pois Moniz Barbosa combinara ir ter connosco ao Riviera, o tema é controverso, Os dois interlocutores, de cepa goesa e de boa casta, interrogam-se sobre esse “receio” do facto de se usar a língua de Camões e de Pessoa. Decido meter uma coelhada numa tal sopa de letras. E sublinho, com o ar mais inocente possível, que a segunda língua oficial da Índia é o inglês. E se a grande Mãe Índia foi esmagadoramente colonizada pelos súbditos de vários reis britânicos, por que raio de bulas o inglês não  é considerado um resíduo do colonialismo do Reino Unido?

Boa pergunta diz-me o médico (que para mim é o exemplo típico de luso-indiano ainda que sedeado em Goa, tal é o seu amor por Portugal, uma vez mais igualzinho à Raquel). Alexandre Moniz Barreto carrega o cenho: tem piada nunca tinha pensado nisso, mas a tua pergunta tem toda a razão de ser. Vou tentar saber alguma informação sobre a questão e depois disso dir-te-ei o resultado. Ao lado lado, o Mandovi continua a deslizar, plácido, apenas interrompido pelos motores dos dois ferry-boats que unem as duas margens. Goa é definitivamente “sôssêgada”…

(Há gravuras do jornal no Google Images)




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