NA MARGEM DO MANDOVI
0HERALD0
Antunes Ferreira em Goa
Corre tranquilo o Mandovi a caminho do oceano Índico que o
espera. Está uma noite deliciosa, não faz muito calor e até desliza uma brisa, termo que aqui é muito usado…
quando ela ocorre. No rio os barcos casinos fosforejam num arraial de cores; há
tempos, mais precisamente dois anos, pude ler em 0HERALD0 que o Governo do estado ia proibir os navios onde funcionam
os casinos; mas foi sol de pouca dura; o turismo, a segunda fonte de receitas
de Goa, tem muita força, a corrupção também e eles lá estão, carregados de
luzes que anunciam a riqueza, a felicidade e a plenitude para toda a vida. Isto
é, para se encherem de rupias ou preferencialmente de dólares, de euros ou de
libras inglesas, moedas correntes em Goa paralelamente com a indiana.
Estou sentado na esplanada Riviera que pertence ao hotel Mandovi, do outro lado
da rua, que foi construído no tempo dos Portugueses e depois da invasão muito
remodelado. Comigo estão a Raquel e o doutor Zito Menezes, que foram colegas no
então Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, uma instituição com muito peso,
fundada em 1854 e encerrada em Dezembro de 61, Janeiro, Março e Abril de 1962. Os
dois parecem irmãos gémeos, ambos não gostam de arroz (???) a não ser do
basmati e bem solto cozido a preceito para não ficar duro nem empapado. Para
Goeses isto não se compreende; mas o problema é deles.
Abro o tema da conversa. O HERALDO era um diário do tal tempo dos Portugueses e obviamente
escrito na nossa língua. Ainda o encontrei em inglês mas com duas páginas em
Português. Li-o pela primeira vez em 1980, aquando da minha primeira visita a
Goa. Em 82 já era todo em inglês. No entanto havia que mudar o título para que
não fosse exemplo da colonização lusa; mas como queriam mantê-lo “disfarçado”
arranjaram uma solução gráfica. Os “O” inicial e final foram “transformados” em
“adereços” do mesmo título; daí 0HERALD0…
A imaginação tem coisas…
Há dois anos o diário entrevistou-me. A jornalista que veio
falar comigo fez um excelente trabalho. Chama-se Diana Fernandes, faz parte da
comunidade católica cada vez mais reduzida mas, apesar do nome, só fala inglês
e concanim. Mas disse-me que depois de me entrevistar tinha gostado tanto da
conversa que ia apender Português. Achei quase carinhosa a ideia. Transmiti-a
ao Alexandre Moniz Barbosa, um dos editores do periódico e meu Amigo.
Alexandre tinha sido o editor do “Times of Índia” (Goa), um
dos maiores jornais do Mundo com delegações em todos os Estados da India e
decidira mudar para 0HERALD0 onde
também tinha a mesma categoria profissional, mas já foi promovido sendo hoje
editor executivo; fala correctamente Português. E quando há dois anos fiz uma
conferência na Fundação Oriente, no bairro mais castiço da capital, Fontaínhas,
foi ele o meu tradutor, pois o meu inglês não é suficiente para uma palestra.
Para uma conversa ou para uma entrevista chega-me…
Moniz Barbosa e eu tornámo-nos bons amigos e até já tenho escrito umas
“coisas” de Lisboa para o quotidiano. Mas, agora o que está na moda é o novo
primeiro-ministro português que apenas eleito passou a ser conhecido pelo
“Gandhi lisboeta”. Agora, António Costa é conhecido: o chefe do Governo
Português é luso-indiano. A História é muito complicada, eu diria até muito
traiçoeira. Num Estado como Goa subsiste algum anticolonialismo em relação aos
lusos. Um exemplo: falar Português é indício de neocolonialismo, mas há quem
negue a afirmação –o que acontece com muito boa gente, incluindo – pasme-se
hindus.
Na cavaqueira agora a quatro pois Moniz Barbosa combinara ir
ter connosco ao Riviera, o tema é controverso, Os dois interlocutores, de cepa
goesa e de boa casta, interrogam-se sobre esse “receio” do facto de se usar a
língua de Camões e de Pessoa. Decido meter uma coelhada numa tal sopa de
letras. E sublinho, com o ar mais inocente possível, que a segunda língua
oficial da Índia é o inglês. E se a grande Mãe Índia foi esmagadoramente
colonizada pelos súbditos de vários reis britânicos, por que raio de bulas o
inglês não é considerado um resíduo do
colonialismo do Reino Unido?
Boa pergunta diz-me o médico (que para mim é o exemplo
típico de luso-indiano ainda que sedeado em Goa, tal é o seu amor por Portugal,
uma vez mais igualzinho à Raquel). Alexandre Moniz Barreto carrega o cenho: tem
piada nunca tinha pensado nisso, mas a tua pergunta tem toda
a razão de ser. Vou tentar saber alguma informação sobre a questão e depois
disso dir-te-ei o resultado. Ao lado lado, o Mandovi continua a deslizar,
plácido, apenas interrompido pelos motores dos dois ferry-boats que unem as
duas margens. Goa é definitivamente “sôssêgada”…
(Há gravuras
do jornal no Google Images)
Sem comentários:
Enviar um comentário