sábado, 9 de janeiro de 2016

CONTRIBUTOS EXTERNOS

O “milagre” de João Soares
Por Antunes Ferreira
É raro ouvir um ministro de um Governo da Esquerda dizer que está à espera de um “milagre”. Mas isso aconteceu em Viseu. Explique-se. Foi na sessão de apresentação das comemorações do centenário do Museu Nacional Grão Vasco que vai acontecer em 16 de Março – e o “culpado” chama-se João Soares, ministro da Cultura. Membro da Maçonaria, tem uma herança muito difícil: é filho de Mário Soares e isso diz tudo.
A verdade é que foi mesmo assim. O ministro ainda está à espera do OE 2016, bem como muitos outros dirigentes políticos e a população. E naturalmente da dotação orçamental para a “sua” pasta. O tom da intervenção de Soares foi pautado pela revelação do que é para ele o “segredo” para “fazer muito com pouco dinheiro”. Ou seja o “trabalho”; e alguém alimentasse dúvidas, aliás legítimas, ficou assim desvendado o “segredo”.
E foi perante a pergunta se poderá reforçar a dotação orçamental na Cultura que respondeu que só “por um milagre” Para um homem que não é cristão a expressão tem que se lhe diga. Mas, João Soares, aproveitando a presença de entidades religiosas na cerimónia, com habilidade política fez-lhes um pedido que também foi uma proposta: que pedissem a “ajuda divina”…
É óbvio que a intervenção do ministro da Cultura conteve diversos pontos do tema geral – as comemorações do centenário do Museu. Depois de abordar esses itens Para o ministro da Cultura, o centenário do Museu, que “finalmente” tem título de Nacional, é a oportunidade de homenagear ao mesmo tempo “um dos maiores pintores portugueses de sempre” e uma “grande figura de Viseu e da República”, referindo-se a Almeida Moreira, fundador do Museu Grão Vasco. “Estamos a prestar homenagem ao homem que em 1916 pôs este de pé este Museu, criado na mesma altura em que isso também aconteceu com outros importantes museus nacionais, nomeadamente o da Arqueologia”.

Embora se trate de expressões correntes, as frases em causa motivaram escassos comentários, críticas ou aplausos. Tivessem sido a propósito dos “duelos” Bruno de Carvalho – Luís Filipe Vieira ou Jorge Jesus versus Rui Vitória e logo saltariam à estacada intervenções com palavras menos cultas, mais escabrosas, insultuosas e ameaças de se chegar às vias de facto, ou seja “o que ele(s) merece(m)  são uns murros nas trombas” ou então “que lhes partisse(m) o focinho” ou mesmo qualifica-los “uns bons filhos da pu…, mãe!
Se tal não acontecesse então teríamos sem margem para dúvidas “um milagre”. Mesmo pela intercepção da Virgem de Fátima, do milagreiro Santo Padre Cruz ou até do doutor Sousa Martins, para não falar da Senhora da Agrela (de que o povo diz que não há santa como ela) os dislates não cessariam, os insultos não regrediriam, as ameaças não desapareceriam. Os Portugueses adoram o Rei Futebol, mas – e se tal fosse possível  – saia o pleonasmo: “adorariam mais” as tricas que ele origina. Que o mesmo é dizer que nesta vida o verbo futebolar é o mais importante da conjugação da vida.
No entanto enquanto se espera que acabem os ataques e os contra-ataques (linguagem perfeita para o assunto) no mundo do desporto-rei, o que significa esperar pelas Calendas Gregas, volte-se ao “milagre” que o ministro também espera que possa acontecer, ainda que seja muito difícil, (mas com uma correcção semântica, em vez de espera deve grafar-se desespera) e até com a “ajuda divina” a dotação orçamental para a Cultura não terá sucesso. É o trabalho que entra em cena. Por muito que muitos torçam o nariz, o trabalho é o “segredo”, sem ele o “milagre” é uma boa intenção e invocação – mas não passa disso.
Nós, os Portugueses, estamos fartos de esperar por um milagre. Os velhos do Restelo profetizaram o desastre da descoberta da viagem por mar à Índia. Bartolomeu Dias e Vasco da Gama contrariaram-nos e o último concluiu o feito que o outro começara. Por mais que o cabo das Tormentas passasse a ser da Boa Esperança, restaram umas quantas dúvidas. Mas resto João de Barros, nas suas Crónicas da Ásia tinha escrito que "Partidos dali, houveram vista daquele grande e notavel cabo, ao qual por causa dos perigos e tormentas em o dobrar lhe puseram o nome de Tormentoso, mas el-rei D. João II lhe chamou cabo da Boa Esperança, por aquilo que prometia para o descobrimento da Índia tão desejada. Era o “milagre” alcançado pelos navegadores fruto do trabalho da preparação e da concretização do objectivo.
O diabo é que depois aconteceu Alcácer Quibir e a esperança de mais um “milagre”: o aparecimento de Dom Sebastião montado num cavalo branco saindo de um nevoeiro. Por certo que para João Soares o sebastianismo não é um “milagre”; mas o aumento da dotação orçamental para a Cultura parece sê-lo. E atente-se uma vez mais no povo: mais vale sê-lo do que parece-lo…



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