Mentiroso e coxo
Por
Antunes Ferreira
Já se sabia que Passos Coelho era um mentiroso, que frequentemente dava o dito por
não dito, que pela manhã a questão era branca, à hora de almoço preta e pelo
jantar cinzenta. Mas também já se sabia – e sabe – que mais depressa se apanha
um mentiroso do que um coxo. E igualmente
se sabia que os ministros do seu (des)Governo lhe seguiam as pegadas e que por
isso se tinham transformado em troca-tintas. Para ser mais correcto eles sempre
o haviam sido, mas nos últimos tempos têm abusado.
Quando
rebentaram o escândalo e a trafulhice do GES, Coelho meteu-se nas encolhas e
mandou Carlos Costa assumir publicamente o desvario daí resultante. E o
governador do Banco de Portugal obedeceu à ordem do patrão e fez a figura
caricata frente às câmaras televisivas. E ele, Passos, manteve-se olimpicamente
a banhos na costa algarvia. Vendo bem a enorme fraude financeira, a ministra
Maria Luís só viria dar a cara (timidamente e empurrada) a tentar explicar o
inexplicável. E como nos contos de fadas todos viviam enlevados e felizes.
Os
cidadãos contribuintes não pagariam um cêntimo pelo descalabro e nem pensar
pela divisão do BES em good bank e bad bank. Aliás o próprio Cavaco afirmara
que o banco era sólido e que se podia investir nele; o mesmo aconteceu com
Passos Coelho, o que não admirou dada a consonância e a cumplicidade entre os
dois membros do partido laranja. Fizeram mesmo o marketing da instituição. Que
não deve ter sido pago por Ricardo Salgado, mas nunca se sabe.
Os
partidos oposicionistas não gostaram que lhes tivessem tentado enfiar o
barrete. E desde logo afirmaram que seriam os contribuintes que haveriam de
pagar a factura. A resposta do chefe do (des)Governo veio a público com altivez
, pundonor e veemência: que os Portugueses estivessem descansados, casos como
do BNP jamais se repetiriam. Acabara a rebaldaria. Porque agora lá estava ele,
Coelho, pra lhes garantir que no BES ninguém pagaria.
Estavam
as coisas neste pé (um tanto adormecidas) e surgiu o
famigerado caso da Tecnoforma. Coelho titubeou. Primeiro não se lembrava de ter
recebido qualquer quantia; depois foi ao Parlamento onde meteu os pés pela mãos
e o seu comparsa de Belém comentou que, pelo que tinha chegado ao seu
conhecimento, Passos respondera a todas as perguntas não deixando margem para
dúvidas. Nunca tal se vira: o alegado Presidente da República submetia-se ao
primeiro-ministro…
Mas
pensando bem no assunto saltou-me a recordação: nos tempos da ditadura
salazarenta passava-se quase a mesma ocorrência. O presidente do Conselho
escolhia o Chefe de Estado e mandava nele tranquilamente porque o mais alto
magistrado da Nação era uma figura decorativa, era a Rainha do Reino Unido, mas
com calças. Raio de comparação; para o que me havia de dar…
Porém,
eis que ao arrepio do que havia dito convictamente, Coelho admitiu na passada quarta-feira que a solução
encontrada para o BES podia implicar encargos para os contribuintes, devido à
participação da CGD no fundo de resolução, mas voltou a considerar que a opção
tomada foi a melhor possível.
"Na medida em que existe um
banco público que participa desse fundo [de resolução] e dessa
responsabilidade, claro que esse banco [Caixa Geral de Depósitos], tal como os
outros privados, suportará eventuais perdas. Nesse sentido, de forma indirecta
pode haver algum prejuízo", afirmou Passos na Itália.
Também a ministra Maria Luís
Albuquerque, admitiu no Parlamento que os bancos participantes no
Fundo de Resolução que detém o Novo Banco (que ficou com os activos
considerados não problemáticos do BES)
podem vir a ter de assumir perdas, caso da Caixa Geral de Depósitos, pelo que
no limite os contribuintes poderão ser a chamados a pagar parte da intervenção
no BES.
Mau, mas então em que ficamos?
Pagamos ou não pagamos? Pelo andar da carruagem, vamos mesmo pagar. Esta
estória sinistra fez-me recordar a lenda dos patos. Ruy Barbosa figura
inultrapassável na História e Cultura do Brasil, ao chegar a casa, ouviu
um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constatou haver um
ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do
indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos,
disse-lhe: “Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos
bípedes palmípedes, mas sim pelo acto vil e sorrateiro de profanares o
recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se
fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada
prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica
bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à
quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.” E o ladrão, confuso, diz: “Dotô,
eu levo ou deixo os pato?"
2 comentários:
Conhecia a estória do Ruy Barbosa como sendo atribuída ao Bocage.
Quanto ao cerne da questão, não vale a pena esperar novas de Belém.
Diria que esta é a forma de desmascarar os narigudos mentirosos;esta maralha ainda não percebeu que não gostamos que nos mintam, que nos aldrabem.O láparo devia pagá-las forte e feio.
Enviar um comentário