A IDADE DE AVÔ
*Gil Monteiro
Ter a idade de poder ser avô, de netos mesmo perfilhados,
devia ser obrigatório do ciclo da vida humana. Com o exponencial aumento da
longevidade, agora temos muitos avós e alguns bisavôs. Longe vão os tempos em
que se ouvia o desabafo:
– Esta vida (de
miséria) não chega a netos, nem a filhos com barba!
Ser o menino do “mimo”, entre quatro irmãos, não teve a sorte
de conhecer o avô Correia, guarda-fiscal na Raia de Chaves, nem o avô Monteiro,
solicitador em Vila Real e agricultor de quinta em Provesende. Talvez por isso,
tenho tantos dados adquiridos, desses familiares, que podia ser um seu
cronista! A visão da figura do velho Monteiro, passeando entre os bardos das
videiras, com uma manta pelas costas, e dizendo para o feitor:
– Vamos ter um bom ano de azeite, Manel, e abundante colheita
de figos para secar! Repara na azeitona limpa e na rama das figueiras do alto
da vinha?! (Gostava de um dia poder fazer o mesmo, conforme sempre
imaginei...).
Entre as muitas e variadas árvores de fruta, desde as ameixas
rainha- cláudia aos pêssegos de S. João, passando por macieiras da África do
Sul, às uvas sem grainha, as mais produtivas eram as dos pêssegos de abrir, e
secar em tabuleiros, dando as famosas orelhas de pêssego. (Neste momento,
expresso as letras e salivo!)
Só tenho dois netos. Levam uma vida tão ativa, depois das
aulas, e mesmo nas férias, que os contactos são poucos. Antes de irem
frequentar o Colégio, passavam horas lá por casa, e o tempo dava para aprender
a ser avô. Como o meu inglês falado é pior que o da pré-primária, comecei por
brincadeiras em francês. Conclusão: fartotes de rizos do filho, pela pronúncia
tentada de palavras de uma língua “morta” e encenadas como nas escolas de
antigamente!
São tantas as atividades escolares e circum-escolares, de
crianças de pais remediados, que já foram crianças e poderam brincar; música,
desporto, religião, festas... Mais os encontros e os namoricos não deixam
espaços, nem permitem umas deixas para os mais velhos. Como resolver? Planear
visitas comunitárias, turísticas e familiares de aprendizagem, nas férias dos progenitores.
Assim tem acontecido. A queda do avô no banho congregou a Família, e deu saída
extra de bónus para jantar!
Jamais podendo esquecer a falta
de leituras, na pequena aldeia transmontana, durante as férias escolares, onde
só podia ler o Diário de Notícias, emprestado pelo correspondente, após quatro
ou cinco dias de sair em Lisboa! Lido e dobrado tinha que regressar ao dono,
pois o papel era “ouro”; sem o qual nem o Brás podia fazer mechas de enxofre
para impedir o avinagrar do vinho da pipa, ou forrar os armários dos louceiros
ou, ainda, fazerem recortes e rendilhados as futuras costureiras?! Portanto, as
publicações e livros recolhidos têm a intenção de poderem ser para os netos.
No sábado passado, a ida ao centro comercial, que só tem
significado a livraria e o lanche, encontrei uma edição nova e cartonada de O
Amor de Perdição. Claro, o Pedro vai gostar e guardar o precioso romance, como
aluno já do secundário; e para o Luís, a frequentar o quinto ano, só uma edição
ilustrada de Sophia de Mello Breyner seria o melhor. Assim foi e assim seja...
Porto, 28 de outubro de 2014
*José Gil Correia Monteiro
jose.gcmonteiro@gmail.com
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