PROMESSA
*Gil Monteiro
O prometido é devido.
Mas, nem ao maior amigo, se deve prometer. Pode haver falhas pelo caminho no
desejado cumprimento. Como? Deixar compor o combro do lameiro da fonte, quando
meses após uma enxurrada erosiva fez desaparecer os lameiros de milho, feijão,
abóboras... e relva para secar (feno) de forragem dos bois, cavalo ou ovelhas e
cabra leiteiras. E nada feito!?...
O António Maria, abastado
agricultor de freguesia transmontana, com uma quinta linda e rica em
Ribapinhão, onde os figos lampos e os cachos de uvas brancas moscatel de
Favaios amaduravam mais cedo, e tinham o privilégio de serem penduradas nos
andores, fazendo companhia aos santos (as) e abrir a boca de espanto e gula à
criançada, e até adultos, durante a procissão de Santa Maria Madalena de junho.
Eram deglutidos, mentalmente, entre as rezas e os ritmos da banda musical de
Sanguinhedo! As primeiras videiras de moscatel, transplantadas para a aldeia
serrana, tiveram de ser guardadas por profissionais de espingarda ou por os
muros da vinha revestidos com silvas e tojos arnais.
A Antónia Manuel e o Rui
José, filhos mimados do lavrador, foram estudar para colégios do Porto. Nas
férias estudantis a freguesia era outra. Até o Sr. Prior parecia um rapaz de
camisa branca e fato preto! Dirigia as comédias e atividades recreativas, onde
os grupos corais e musicais colaboravam. O intercâmbio das gentes dos povoados
era forte e constante. Os espetáculos de maior nomeada podiam ir ao salão da
Vila. Era a consagração!...
Não havia aparelhos.
Apenas uma grafonola na casa do Sr. Abrão e um rádio de bateria do Sr.
Ferreira, de grande antena montada entre as macieiras do quintal. Nas
festividades de Fátima era colocado ao cimo das escadas graníticas para o povo
ouvir as reportagens da Cova da Iria. Rui José, com a sua “potente” galena,
construída nas aulas de Ciências Naturais, ia passando de ouvido a ouvido dos
rapazes perplexos,
de mãos postas a rezar e cantar o Ave-Maria!
Mais tarde, já o velho Ford do pai debitava os programas da RDP, pelo rádio
ronceiro ligado à bateria!
O nosso Rui, brilhante
aluno do Colégio João de Deus, na cidade mística do Porto, não completou o
último ano do liceu, por “desvio” ao desporto automóvel, em corridas e ralis, e
uma ou outra gincana, nas terras transmontanas. O seu morris-minor era fabuloso!
Um pai, por vezes, clandestino, ia bater merecidas palmas.
Conseguiu entrar na
Faculdade de Medicina! Foi uma festa, festejada para Além Marão. O Sr. Prior,
na prédica dominical felicitou o desportista e o futuro médico. O casal
Pinheiro recebeu cumprimentos, nas escadas da frontaria da Igreja, como tivesse
casado um filho! O entravado Simão, arrastando as muletas, foi ao beija-mão!
Mas, a grande solenidade
foi reservada para o salão da quinta da Vaca-loira do douro, onde se aplaudiu a
aprovação na última cadeira do curso médico do Dr. Rui. Várias pessoas choraram
de alegria!
Filho: Espero a oferta do
carro novo de ralis da BMW!...
Pai: Sempre fumei muito.
Vês este maço de tabaco?! Vou desfazê-lo com a bota. Quando me vires meter um
cigarro à boca, pede o carro.../...
Porto, 18 de junho
2015
*José Gil Correia Monteiro
jose.gcmonteiro@gmail.com
2 comentários:
Bem esgalhada!
ironia bem descrita e carregada de conteúdo...
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