Mais um contributo
do Zé Gil
do Zé Gil
CARTA DE AMOR
*Gil Monteiro
Depois de
Fernando Pessoa ter escrito: “Todas as cartas de amor são ridículas,” é preciso
arrojo para escrever sobre tal assunto! Mas, como hoje é dia dos namorados, a
coragem chegou.
Namorar é bom. A vida devia ser de
amor pleno. Daí as cartas específicas, para esse efeito, não terem muito
sentido, e estão a caminho da extinção. Mesmo, nas atividades difíceis do
dia-a-dia, as cartas devem ser examinadas com bom senso, à espera de os
assuntos serem tratados em concórdias. (Fácil de dizer e escrever!...). Os
seres vivos da natureza e os domésticos também têm que ser respeitados. Na
falência do meio ambiente, cada vez mais ameaçado, está a sobrevivência do homem
no planeta terra.
Os conversados, antigamente, das
aldeias namoravam aos domingos a caminho da fonte, enquanto as futuras noivas
andavam de caneco à água. Quando chegava o tempo do serviço militar, poucos
escreviam às namoradas, por serem analfabetos ou não terem dinheiro para os
selos.
O tio Brito, que usava lenço vermelho
ao pescoço, tocava concertina e deitava os foguetes, durante a procissão pelos
caminhos da aldeia, nas festas de Santa Maria Madalena, contou:
– A minha Ester bem escrevia para o quartel de
Tavira mas eu, não tinha dinheiro para selos, remetia duas no mesmo envelope!
Até que um dia, com muita paciência, fui tirando a tinta do selo da carta
recebida e colei-o na minha... Ao saber, na resposta, que a cabra morinha tinha
tido dois cabritinhos, até chorei de alegria!...
O Jorge destacado do Regimento de
Infantaria de Vila Real, para a Serra do Pilar (Gaia – Porto), na primeira
carta para a namorada de Paradela, e com receio que se perdesse, escreveu, por
fora, do envelope:
– Vai-te carta, vai-te carta, pelo meio dos
pinheirais;
O meu coração fica a dar muitos ais!
Andava na 2ª classe, quando escrevi a
primeira carta de amor! Comecei cedo, mas do pior modo – resultado incrível!
O moço dos bois do Sr. Correia, aos
15, 16 anos, perdeu-se ou encontrou-se de amores com a Alice do Rocha, a
começar a mostrar corpo de mulher, nas idas às feiras de São Martinho ou às
missas de domingo. Como um criado “falar” à filha de um lavrador era “pecado”,
e o escrever-lhe impossível, pois era analfabeto e, ainda, tinha vergonha de
pedir ao Safadinho, ilustre ex-brasileiro e escriba da terra. Fui obrigado a
tentar a solução para o intrincado problema!
Apesar de mal saber alinhavar uma
cópia, frequentava o 2º ano escola da Regente D. Albertina, aceitei o desafio.
Munido de papel e lápis, fui ter com o Zé, ao monte da Eirinha, onde
apascentava os bois do patrão, para escrever a carta. Preparada a banca em
pedra lisa, perguntei:
– Fala, que eu escrevo!
Como não disse palavra ou frase,
passei a ser eu o Zé, pedindo namoro à Alice. O papel dobradinho foi ter, por
artes mágicas, ao bolso do gabiru do Inácio!!!
Os feijoeiros, retirados dos campos
de milho, aguardavam os serões à lareira para debulha, em convívio de amigos e
familiares.
Pois, no meio de tantos ditos e
contos, o galhofeiro do Inácio não começa a ler a minha carta de amor!...
Senti-me tão vexado que fugi para
casa da tia, no fundo do povo.
Nunca mais ouvi falar da minha
cartinha!
Porto,14 de fevereiro de 2014
*José Gil Correia Monteiro
jose.gcmonteiro@gmail.com
1 comentário:
As cartas de amor, hoje, são enviadas pelo facebook, onde se mostra o pirilau ou a passarinha, que todos, democraticamente, podem apreciar.
O Pessoa, se fosse vivo, bebia mais um bagaço, para esquecer.
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