sábado, 15 de fevereiro de 2014

LIDO

(Ao primeiro-ministro, ao vice-primeiro-ministro, à ministra das Finanças, ao ministro da Solidariedade Social e ao ministro da Economia)
1. Tendo em conta que dos objectivos iniciais do Memorando, considerados fundamentais (e que eram apresentados como a cartilha inexorável do governo até à demissão de Vítor Gaspar), se contava conseguir controlar o défice para os seguintes números: 5,9% em 2011, 4,5% em 2012, 3% em 2013 e se chega ao final de 2013 com o défice previsto de 5%, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um “sucesso”?
2. Tendo em conta que a dívida máxima prevista no Memorando era de 114,9 % do PIB, e a dívida no final de 2013 era de perto dos 130% do PIB, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?
3. Tendo em conta que, mesmo estes resultados, muito longe dos objectivos iniciais, só foram conseguidos quer pelo aumento brutal dos impostos, fazendo a consolidação orçamental essencialmente do lado da receita e não da despesa como estava previsto, quer através do contínuo uso de receitas extraordinárias, presentes em todos os orçamentos desde 2011 (incorporação de fundos de pensões, perdões fiscais, etc.), como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?
4. Tendo em conta que o objectivo do Governo era usar o Memorando “indo além da troika” para fazer uma “revolução” nos comportamentos gastadores dos portugueses e numa refundação estrutural da economia portuguesa, e que isso previa, em 2011, conseguir-se bastante depressa, onde é que existem esses novos hábitos que não resultem da maior penúria de pessoas e famílias, e onde estão os sinais das mudanças estruturais da economia portuguesa? Como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso para garantir estes objectivos?
5. Como o controlo da balança de pagamentos se fez essencialmente à custa da recessão da economia e da brutal quebra do consumo, como é que se pode esperar que qualquer recuperação económica, por pequena que seja, não ponha em causa esse controlo?
6. Que papel têm no fechar de olhos europeu e da troika a estes resultados muito longe do previsto, as circunstâncias políticas das próximas eleições europeias com um ascenso claro de forças antieuropeias para quem a permanência da crise do euro e das dívidas soberanas é um argumento central?
7. Ou que papel tem na fácil aceitação de resultados medíocres, e mesmo no seu elogio público por responsáveis europeus, a consciência de que não é possível prosseguir estas políticas, entre outras coisas porque não existe consenso europeu para continuar a apoiar directamente os países do Sul endividados e, por isso, ser mais fácil fazer uma cosmética do sucesso do que uma verificação do falhanço? Ou por se temer que a má fama dos “protegidos” do “protectorado” atinja a boa fama dos “protectores”?
8. Por que razão em 2011, quando se iniciaram políticas em nome do cumprimento do Memorando, e, supostamente por ordens da troika (o que é inverificável por não haver documentação acessível sobre a evolução das conversações, não se sabendo o que veio da troika e o que veio do Governo português), não se previa outra solução que não fosse o “regresso aos mercados” em 2014, e, a partir de 2013, se passou a discutir a possibilidade de um novo resgate, seja sob a forma de um outro empréstimo, seja de um "plano cautelar"?
9. Isso significa que existe a consciência de que em 2014 Portugal tem de continuar a estar sob qualquer forma de assistência internacional? Durante quanto tempo? Se se tiver em conta o chamado Pacto Orçamental, para sempre?
10. Se Portugal tiver uma “saída limpa”, ou à irlandesa, isso deve-se às vantagens políticas dessa solução em vésperas de eleições ou à convicção do Governo de que, no futuro imediato, aconteça o que acontecer, os juros portugueses permanecerão abaixo dos 4,5% a longo prazo? E que garantias existem para que, caso isso não aconteça depois de 2015, e terminado o “tesouro de guerra” adquirido nestas últimas emissões, não haverá necessidade de um novo resgate?
11. Será que o Governo espera recolher os louros de curto prazo com uma saída “limpa” e depois deixar os problemas de sustentabilidade da “limpeza” para os seus sucessores na governação? Quem vier a seguir encontrará uma espécie de bomba relógio deixada pela “saída limpa” que permanece dormente durante dois anos e depois explode nas mãos de quem estiver no Governo?
12. Quando é que as políticas de severa austeridade serão, no entender do Governo, primeiro mitigadas e depois terminadas? Daqui a dez anos? Vinte? Trinta? Todos estes números já foram avançados, mas convinha saber o que pensa o actual Governo.
13. Ou seja, quando é que os salários começam a crescer, o desemprego a diminuir, as reformas a retomar valores do passado, o poder de compra dos portugueses a aumentar? Ou seja, a haver uma recuperação social e não apenas uma recuperação económica, cujos frutos a existir podem não ser distribuídos ou ser distribuídos de forma desigual?
14. Tendo em conta que o Governo responderá a todas estas perguntas anteriores e às seguintes com “depende da recuperação económica”, como espera o Governo repor os canais de justiça social que tem vindo a fechar nos últimos dois anos, ao baixar salários, despedir pessoas, acentuar a taxação sobre o trabalho, ou fazer aquilo que eufemisticamente se chama “desvalorização fiscal”? Ou seja, o que é que o Governo vai fazer para que o “milagre económico”, que depende das empresas, mas também do trabalho, conheça uma mais equilibrada distribuição de riqueza na sociedade, para evitar agravar o fosso da sociedade portuguesa, entre ricos e pobres? Ou seja, quando começa a por termo às politicas actuais?
(...)

Parte de um artigo lido no Público de hoje.

Quem escreveu? Louçã? Jerónimo? Seguro?
Frio, muito frio. 
Foi José Pacheco Pereira




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