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Uma página do diário do Henrique Antunes Ferreira, que anda pelos orientes
GRALHAS SEM
GRALHAS
Antunes Ferreira
Beber caju? Essa agora! O homem está choné,
absolutamente avariado, cacimbou, é uma pena ver um senhor desta idade num tal
estado de degradação. Que, diga-se em abono da verdade, ele já em Lisboa não
andava muito direito – a não ser no andar / piso – mas, enfim, disfarçava
bastante bem. Só que se lembrou de comemorar as Bodas de Oiro, para o que lhe
havia de dar, e as comemorações devem ter-lhe dado voltas à cabeça e… Beber
caju? Parece que nem os ares orientais lhe arrumaram a massa cinzenta.
Mas, não
senhor, estou bem, reforçando, estou óptimo. Explico-me. Se precisasse de
definir as ruas das cidades de Goa, em especial na rua 18 de Junho, mais precisamente a
principal da capital, em duas palavras diria caju e ouro. E porquê? Porque
quase se pode dizer que de três em três lojas uma vende caju e a outra joias. O
exagero preocupa, mas dá jeito. É claro, nos intervalos, uma panóplia delas,
entre as quais as de souvenirs (o estado é o principal destino turístico da
Índia), de vestuário, de calçado, de tecidos diversos, de bebidas fortes.
Por mor dos
turistas, por cá a venda e o consumo de álcool são livres e baratos; no resto
do subcontinente isso também é permitido, mas
as bebidas são mais caras. Ainda há uns anos vigorava a lei seca,
excepto para Goa. de tudo um pouco, o comércio é florescente, para não falar
nas agências de bancos e as de viagens
muitíssimas, nos muitíssimos restaurantes, bares, tascos, farmácias e
correlativos, que naturalmente abundam e até em supermercados e centros
comerciais, dos quais um exemplo em Pangim é o Caculó Mole, onde se encontra
tudo, desde um super espaço de alimentação até ao vestuário, de marcas
conhecidas, muitas das quais já são produzidas na Índia.
Não falta
nada, com excepções diversas e entre estas os produtos lusitanos. Infelizmente
nem uma garrafa de azeite português, nem uma embalagem de azeitonas lusas ou de
bacalhau, nem uma lata de sardinhas idem, nem uma de chouriços aspas, ou seja,
nada de produtos nacionais, o que é estranho dadas as especiais ligações de há
séculos existentes. Sem comentários. Ainda agora levámos para a família e
amigos azeite, azeitonas e chouriços… do reino, como por cá ainda se diz.
Quanto a vinhos… voltarei ao tema.
Volte-se ao
caju, ou seja o pedúnculo do fruto, o pseudofruto ou noz; o fruto propriamente
dito é usado na culinária, mas principalmente para produzir o feni, a
aguardente – que também pode ser de palma, mas menos – que é um dos principais
produtos desta terra abençoada. A Índia é o segundo produtor mundial e,
curiosamente, quem levou o cajueiro do Brasil para a Ásia foram… os Portugas.
Um quilo de caju custa 580 rupias mais ou menos sete euros… Escrevi um quilo,
note-se. Em Portugal qual será o preço? Não sei, nunca comprei caju em tal
quantidade, mas creio que de longe será mais elevado. As embalagens – saco em
plástico transparente devidamente fechado no vácuo - têm a data de produção, o
peso (normalmente de meio quilo) e o preço – o que é rigorosamente estipulado
pelo estado para quase todas as mercadorias.
Encontra-se
de todas as cores e qualidades. Até o bibé, nome que aqui é dado quando a noz é
recolhida ainda verde; aliás, quando o bibé é bebé dizem os entendidos. E,
ainda, as manguinhas verdes que eram “furiosamente” apreciadas pela
Raquel e os seus colegas que as iam comer às escondidas dos pais – e na
praia, quando gazeteavam as aulas ou num intervalo mais prolongado – pisadas
com sal e pimenta picantíssima - que se chama chepeni ambli. Mas se começasse a
enumerar essa múltipla apresentação ia do picante, obviamente, ao achocolatado.
Com mais sal, com menos, cru, assado ou frito, etc. e tal. Um perigo, minha
gente sobretudo para os que têm tendência para engordar. O que, felizmente, não
é o meu caso…
Há nos campos
cajueiros aos magotes e diz-se por cá que são árvores de bebedeira…, tão
frequentes como os coqueiros e as palmeiras, as mangueiras, as bananeiras e por
aí fora. Já se percebeu, sem margem para dúvidas: este gajo, (i.e.,
eu,) não está lelé da cuca: bebe-se efectivamente caju, ou seja feni, cujo
processo de produção é semelhante ao da
nossa bagaceira, com pisa (pelos pé)s, e a subsequente fermentação.
Obtém-se assim, o sura. No estado intermédio está a urraca, que fresquinha e
misturada com Limka (o mesmo que a Sete em Pé), e com uma pimenta verde (a
nossa malagueta, mas muitíssimo mais picante cortada longitudinalmente) é de
beber e nem chorar por mais, porque há sempre mais.
Quanto às
ourivesarias é outra estória. Um destes dias, quando não sei, voltarei a elas e
a ela. Para aguçar o apetite a quem (ainda) tem a pachorra suficiente para me
ler, sempre direi que se prende com a moeda…
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