sábado, 7 de fevereiro de 2015

LIDO (2)

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As variantes deste desejo são várias, a começar pelo desejo de que o Syriza abandone de forma explícita e evidente as suas propostas eleitorais, que seja como Hollande, em França. Confundindo o seu desejo com a realidade proclamam que isso já aconteceu, mas seria bom serem mais prudentes, porque não é a explicitude das propostas que conta, mas o saber-se se haverá ou não ganho de causa para os gregos com todo este processo. E, mais importante, ainda, que os gregos estejam convictos de que o obtiveram votando no Syriza e não em qualquer outro partido.
A versão dura é o desejo que o Syriza traia de forma evidente o que prometeu, aceite um acordo de fachada, para que tudo continue na mesma. Que o Syriza apareça aos olhos de todos como um bando de oportunistas, demagogos, irrealistas, que se venderam por um prato de lentilhas, as mesmas lentilhas “inevitáveis” que a Nova Democracia servia e que funcionavam como conforto para governos colaboracionistas como o português.
Aí haveria o desejo de que o Syriza encontrasse aquilo que eles chamam a “realidade” de frente, de preferência sob a forma de um choque frontal com medidas de retaliação, que punam os gregos pelo modo como votaram. É o desejo maldoso de que os gregos sejam punidos com mais austeridade, porque contestaram a austeridade, ou não a aplicaram com a ferocidade que deveria ter tido. Quando o nosso primeiro-ministro diz que os gregos não fizeram o que deviam, como Portugal e a Irlanda, o que está a dizer é que a tragédia que se abateu sobre a Grécia com números assustadores de pobreza, miséria, desemprego, falta de condições de vida mínimas, de desespero, foi pouco. E como eles contestaram esse “pouco” devem ter ainda mais, que é para aprenderem a ser bem-comportados. E por aí adiante, num exercício que Marx chamaria “luta de classes”, que é a pólvora em que esta gente anda a mexer alumiando um fósforo mental para ver o que se passa.
Claro que, do outro lado, há também uma outra série de desejos, nem todos recomendáveis. Um deles é o de que o Syriza faça por “nós” aquilo que não somos capazes de fazer, faça pela esquerda aquilo que ela não é capaz de fazer, usar o mimetismo com o Syriza sem se ser capaz de fazer o lento trabalho de implantação que ele fez. Ou desejar ganhar eleições copiando o Syriza no plano antiausteritário e ignorar os aspectos soberanistas e patrióticos que o fizeram sair da exclusividade extremista.
Ou desejar que Portugal seja a Grécia nas próximas eleições. Iludir-se com a ignorância de que a situação grega (ou até espanhola com o Podemos) não é a situação portuguesa. Em Portugal, as próximas eleições serão muito bipolarizadas e, se o não forem, é porque o PSD-CDS já as ganhou, ou o PS terá apenas uma “vitorinha”. O PASOK na Grécia foi varrido do mapa porque a bipolarização se fez entre o Syriza e a Nova Democracia, como em Espanha o Podemos pode crescer devido às fragilidades do PSOE. Em Portugal, nada disso acontece.
Eu também tenho um desejo simples e modesto, com muito poucas ilusões. Desejo que as coisas corram bem para os gregos, que eles comecem a sair do buraco infernal em que foram colocados, e que possam, pelo seu acto corajoso de votar contra o statu quo, mostrar que a ditadura da “inevitabilidade” é um deserto mental perigoso, útil para se subordinar Portugal aos poderes europeus e alemães, fragilizar a democracia e empobrecer os portugueses. É por isso que a milhas do Syriza se pode saudar a mudança que o Syriza trouxe a um mundo estagnado e pantanoso, maldoso e desigual. Não preciso de explicar mais nada, pois não? 

José Pacheco Pereira, in Público de hoje

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