Mais um textículo do Henrique Antunes Ferreira, que anda
pelas Índias onde sofreu um acidente e que aqui continua a
relatar
A doença e o beijo
Antunes
Ferreira
No meio das
chatices em que estas pseudoférias têm sido férteis, hoje a dermatologista
depois da consulta pelo meio-dia receitou-me novos medicamentos e disse que as
coisas demoravam o seu tempo, mas que lhe parecia estarem a melhorar. Aliás
quer o Zito Menezes que me acompanhou bem como a Raquel eram da mesma opinião.
Fomos depois, mais tranquilos, almoçar ao Riviera debruçado sob o Mandovi
também com a minha cunhada Maria Alice que aqui igualmente veraneia…) e regressámos a casa deviam ser umas
quatro da tarde.
Estava preparado para fazer uma sesta e nisto telefona a Dr.ª
Flora dizendo que estivera a repensar sobre o assunto e preferia que outro
médico me visse, para ter uma outra opinião. Lá foi a Raquel de riquexó ao
consultório da dermatologista pois ela escrevera uma carta para o seu colega.
Às seis e meia da tarde estávamos na Clínica do Campal. Ia como o coiso mais
apertadinho como podem imaginar, pois o homem era cirurgião dermatológico. Com
o meu habitual pessimismo já me via sem a perna esquerda…
Porém o Dr. Bossuet Afonso cujo pai também médico a médico a
Raquel conhecera na juventude dela foi um tipo muito simpático falando um
Português excelente disse-me (nos, ao Zito e à minha cara metade) que não havia
nada a acrescentar ao diagnóstico da Professora manteve a medicação,
acrescentou mais duas mezinhas e disse-me que em Goa ninguém precisava da minha
perna e por isso eu ficaria com ela. Só não acrescentou que eu era um maricas –
o esculápio era um sujeito bem-educado – e mandou-ma na paz do Senhor… Creio
que já o escrevi, mas, por cá os católicos são mesmo… católicos.
Naturalmente que regressei a casa muito mais confiante. Tinha
apanhado um valente susto (felizmente até usava cuecas castanhas). Toda a malta
amiga telefonava para saber da opinião do Dr. Afonso; a solidariedade é um
facto e as notícias correm mais depressa do quem TGV. Pelo caminho ainda fomos
a uma farmácia onde toda a gente falava Português (dois cavalheiros e uma dama,
sem do um deles até era sportinguista, o que me levou a felicita-lo juntamente
com o Zito) Ainda há bastante gente, sobretudo os que estudaram no liceu Afonso
de Albuquerque, mas, claro duma geração que se vai finando…
Pelo caminho retomei a conversa que tínhamos tido ao almoço e
que originava um enorme ponto de interrogação: um povo que criara a Kama Sutra,
que edificara os templos de Kajurao e Konark, onde as paredes de pedra são
todas cobertas figuras eróticas até mesmo pornográficas (eu vira os templos e
os actos sexuais explícitos que metem homens e mulheres, homens e homens,
mulheres e mulheres e atá cópulas diversas com animais). Não permite o beijo no
cinema. Mas que raio de situação.
Zito disse-me que, ainda com reservas, já se trocam beijos
nos ecrãs e como lhe respondi sobre a quase desaparição do casamento formal em
Portugal, como de resto pela Europa, com os casais a viverem em comum sem
qualquer certidão matrimonial, o médico que vê a RTPI quotidianamente, sabia
perfeitamente disso, mas afirmou-me que tais práticas ainda eram muito raras na
Índia e em especial em Goa. E de novo a religião. M alguns restaurantes já se
veem casalinhos trocando algumas carícias. Mas, trata-se de casos ainda
esporádicos.
Fico a pensar que nesta terra bendita as
diferenças continuam abissais. Os próprios católicos, ainda que não o digam,
acreditam nas castas, tal como vivem com Deus. A esmagadora maioria não refere
a questão, mas ela está no espírito e nas cabeças das pessoas.
Mau estou a
misturar doenças com beijos. Cada vez mais sinto que a velhice me vem
conquistando a passos largos. Ainda que comparado com essa constatação do grupo
de terroristas sanguinários, que se auto proclama ser o “Estado Islâmico” não…
comparação. Por vezes dá-me para cada um que, cada duas é um par…
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