sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

COPIANÇO

NEM ME DIGAS


Cama, mesa e roupa lavada

Antunes Ferreira

O homem enfiou o capuz da parka que já conhecera muito melhores dias. Fazia um frio danado, mas também o sentia por dentro. E fome. Maldita vida aquela. Vá lá que nas traseiras de uma loja de eletrodomésticos conseguira surripiar uma embalagem de frigorífico para lhe servir de cama. Eram difíceis os tempos de crise. Mas também encontrara uns plásticos para se cobrir da chuva que ameaçava engrossar. Com a manta velha, de retalhos, a abem ver não era manta era uma coisa puída para se tapar. Com uns jornais velhos, sempre ficaria um pouco mais quentinho, mais quentinho, uma merda, mas que o deixaria, sem sentir tanto a frialdade exterior. A interior não havia édredon que a eliminasse.

Tinha dois ou três restaurantes que lhe davam as sobras do que os comensais deixavam nos pratos, mas não era suficiente, por isso a fome que se lhe entranhara no corpo, pequeno-almoço não se safava, almoço, nicles e jantar só as tais sobras. Mas os gajos dos restaurantes já começavam e corrê-lo, este marmanjo vem aqui comer todas as noites, e mandavam-lhe trabalhar que o trabalho por mais sujo que fosse não matava ninguém. Já tentara ser dos lixeiros que andam de noite nas camionetas para apanhar o lixo, mas não tinha ninguém para meter uma cunha na Câmara Municipal e estava feito.

Aquele filho da puta daquele banqueiro que vira num aparelho de televisão na tal loja de artigos elétricos, ouvira e vira ele com os olhos e os ouvidos que a terra havia de comer, que os Portugueses aguentavam mais austeridade, dizia o malandro ai aguentam, aguentam. E logo uns dias depois dizia que se os sem- abrigo aguentavam por que não haviam de aguentar os outros. O nome do banqueiro que devia ganhar uns bons milhares de euros por mês, chorudos prémios anuais era Fernando Ulrich. Se houvesse em Portugal um novo Buiça – o tipo que matara o rei D. Carlos e o príncipe sucessor D. Luís Filipe, era excelente, dava cabo dele só com um tirito…

Aliás, como diria o Raul Solnado, punham-se em fila indiana o Presidente da República, Cavaco Silva, o primeiro-ministro Passos Coelho, outro ministro, o Miguel Relvas, que se intitulava doutor e que tinha o curso universitário fazendo uma só cadeira, mas que tinha muita experiência (?) política (?) e o Vítor Gaspar, o ministro das Finanças e com uma só bala dava-se cabo desses todos. Uma bala com um cordel, que se puxaria depois de cumprida a sua missão e podia servir para outros. Era uma economia.

E por economia, também devia estar em nova fila o Álvaro Santos Pereira, ministro justamente da economia e outras especialidades. E mais alguns governantes deste (des)Governo que diz que nos (des)governa), que depois dos do Salazar e do Marcelo Caetano, era o pior que nos calhou na rifa. Mas o que é facto é que foram eleitos pelos Portugueses, mas por mim não foram nenhum deles, comentários que o autor, mesmo sendo contra a violência, subscreve completamente… Com tudo isto já se desviou o escrevinhador do personagem desta croniqueta que dormia num passeio qualquer, de preferência debaixo da soleira de porta de prédio.

Logo que o tal ministro das Finanças começara a roubar os Portugas, já no ano anterior, correra uma anedota natalícia: dos três magos que tinham ido visitar o bebé Jesus, o Melchior levava ouro e incenso, o Baltazar prata e mirra e o Gaspar roubava tudo. Boa, bem tirada. Repete-se e completa-se : roubos à mão (des)armada. Lemram-se?, o Salazar também começara como ministro das Finanças, e, com falinhas mansas, lixara o general Domingos de Oliveira que era o primeiro-ministro e depois foi o que se viu: quase 50 anos de ditadura com Censura, PIDE, a polícia política, campos de concentração como o Tarrafal e outras brincadolhices.

De resto, o atual chefe (?) do (des)Governo, o Passos Coelho que se pusesse a pau com o Gaspar e o com o dos Negócios Estrangeiros, o Paulo Portas que é gajinho para o empurrar pela escada abaixo. Dos coscuvilheiros, invertidos e de sorrisinhos a peixeiras e correlativos em campanha eleitoral, é o diabo, olá se é… Mau, voltou o escriba a descarrilar, meia-volta volver, em frente marche. O sem-abrigo desta estória, andava com um vazio gástrico que não sei se vos diga, se vos conte. Os restaurantes – nada; porque tinham menos fregueses e porque o IVA aumentara desmesuradamente (bem como todos os outros impostos para o proletariado) e porque por isso faziam menos comida, porque era a crise e etc. e tal. Logo, nada de sobras, vai comer noutro sítio.

Numa alegre confraternização

Ora, lá se diz que cada come onde lhe apetece. Quando fora mobilizado para Angola, uma noite o oficial de dia, que na verdade deveria ser chamado oficial de noite, ao passar revista noturna às casernas, dera com um soldado preto todo nu em cima de outro soldado, este último branco também em pelota, numa alegre confraternização. Lanterna em cima dos comparsas muitíssimo camaradas chegados, bateu o alferes miliciano no ombro do de cima, que não sabendo que era o oficial, respondeu você tens nada com isso! A cu é teu?! Claro que deu uma bronca de se lhe tirar o bivaque, que é como se chama ao chapéu na tropa. Auto, cadeia, trinta por uma linha.

Esfomeado, resolveu entrar numa padaria e à socapa gamar uma carcaça. O padeiro agarrou-o, seu sacana de ladrão, chamou o polícia que o levou para a esquadra. Onde disse ao chefe que por subtrair um pão era um gatuno, roubara; se fosse um banqueiro, um administrador ou outro importante que metera ao bolso uns milhões por falcatruas diversas tratava-se apenas de um desvio, com advogados aos montes que de recurso em recurso levavam o processo à prescrição. A ele meteram-no na choça depois de levar umas valentes chapadas. É a vida, comentara o guarda, umas galhetas nas trombas nunca fizeram mal a ninguém.

Bem vistas as coisas, lá lhe levaram um almoço, ainda que sem grande qualidade, e depois de o ouvirem em auto, ofereceram-lhe uma graciosa pulseira eletrónica para usar no tornozelo e foi avisado que depois no tribunal daí a uns dias o juiz lhe daria a correspondente correção. Já um homem não pode levar um papo-seco para enganar o intestino sem consequências dessas.

À noite, quando se deitara debaixo de um portal de um banco, por acaso uma agência do BPI, o tal senhor Ulrich vinha a sair para entrar num mercedes do último modelo, o banqueiro dissera ao motorista que lhe desse um euro e que lhe dissesse que no dia seguinte não queria lá vê-lo, senão chamaria um polícia e… E o nosso personagem ficou todo contente, deixou-se quedar ali, até pediu um cigarrinho por amor de Deus a um senhor que passava, marimbando-se para o cabrão que dissera, ai aguenta, aguenta.

Este chegou e viu o Abílio Fernandes Martins deitado no seu leito de cartão, com uma mini beata nos lábios, olhou-o de viés e mandou o porteiro que viera abrir-lhe a entrada, para chamar a polícia a fim de tirar aquele fulano dali. Já no seu gabinete todo em mogno e carvalho, maples e cadeirões, alcatifa, quadros de autores caros, sedas e brocados, sentou-se à sua secretária de estilo, premiu o botão do intercomunicador e ordenou ao seu chefe de gabinete que ligasse imediatamente ao Comandante-geral da Polícia, ouça, caro amigo, tenho aqui à porta do banco um malandro que quis gozar comigo. Mande prendê-lo e diga ao juiz do Sumário que lhe dê uns 15 dias por vadiagem e invasão de propriedade e espaço público.

Meu dito, meu feito. O antigo soldado 187945/65, que combatera em Angola e tinha um pulmão a menos, por mor de um tiro do inimigo, na altura um turra, foi para a esquadra sem oferecer resistência. Logo de seguida um auto feito à pressa e um julgamento foguete: ou 15 dias de prisão, ou multa no valor de 2.879,26 euros. Tinha um euro no bolso era o seu pecúlio. Poderia, depois ir deposita-lo no banco em causa… Agradeceu ao meritíssimo magistrado, que ficou de olho à banda com tal afirmação, À você ainda goza? Ora tome lá: 21 dias de prisão não remíveis!

Quando deu entrada na cela a Penitenciária para cumprir a pena, o guarda prisional que antes era chamado carcereiro, saíste-me uma boa rês e ainda por cima tentaste achincalhar o senhor Juiz. Abílio fez um sorrisinho sonso, não respondeu, mas falou para ele próprio sem abrir a boca: Porra, finalmente ia ter três semanas à boa vida com teto, cama, mesa e roupa lavada. E, se calhar a Fernandinha da Meia-laranja ainda lhe levaria um macito de cigarros. De cigarrilhas, não, eram muito caras.



Este texto foi sacado ao blogue A Minha Travessa do Ferreira

1 comentário:

Anónimo disse...

Zorramigo

Obrigadérrimo. Já tá.

Abç