Ortofonia
É justificável a inquietação com os erros ortográficos (com ou sem Acordo Ortográfico) que manifestam em anúncios, jornais e legendas de televisão e que um recente teste oficial a professores veio reforçar.
Menos notados, porém, são os crescentes atropelos à ortofonia, ou seja, à pronúncia correta da língua.
Em geral as línguas têm variantes coloquiais ou populares, que naturalmente variam de região para região, e uma norma fonética formal ou erudita, que se ensina nas escolas e se utiliza no discurso oficial e no discurso público em geral. Em Portugal, porém, parece que deixou de haver norma fonética, deixando a língua à mercê de derivas desviantes.
Houve tempo em que as crianças aprendiam, por exemplo, a pronunciar "acordos" e "molhos" (culinária) com "o" fechado e não com "o" aberto, como hoje frequentemente se ouve. E também aprendiam que se devia dizer "ozolhos (os olhos) e não "ojolhos", "azalmas" (as almas) e não "ajalmas", como diz tanta gente mesmo com instrução superior.
Mas a principal responsabilidade pela degenerescência do Português falado no discurso público é a sua colonização pela pronúncia coloquial dominante em Lisboa, por efeito da rádio e da televisão.
Por exemplo, palavras como "rio", "pavio", "tio" e outras semelhantes são pronunciadas com "i" breve e não com "i" longo, como no resto do país. O ditongo "ai" desaparece em palavras como "baixa" e "faixa" (pronunciadas como "baxa" e "faxa") e o ditongo "ou" desaparece em "frouxo" ou "souto" (que são pronunciadas como "froxo" ou "soto") e outras palavras semelhantes. Mais perturbante é a generalizada palatalização da pronúncia de palavras como "piscina", "crescimento", "nascer", "seiscentos", etc. que soam como "pichina", "crechimento", "nacher", "seichentos", etc. O caso torna-se patético em palavras como "excesso", "excelente" ou "excitante", em que a primeira sílaba desaparece e a pronúncia sai como "chesso", "chelente" ou "chitante"! Imaginar que um dia todos os portugueses vão falar assim, dá pesadelos.
Outra caraterística do coloquialismo lisboeta é a tendência para omitir a pronúncia de vogais átonas no meio e no fim das palavras, como por exemplo em "parecer", "alemão", "diferente", "pele" ou "telefone", pronunciadas respetivamente como "parcer", "almão", "difrente", "pel" e "telfone" (ou mesmo "te'fone"!). Essas palavras perdem uma sílaba, por vezes duas, na sua versão falada. Outras formas correntes de "sintetização" do modo de falar de Lisboa é a contração de "mesmo" em "memo" ou de "estar" em "tar", de "para" em "pa" (como, por exemplo, em "ir pa Lisboa" ou "viajar pa Coimbra") e muitos outros casos. O recente anúncio em que Ricardo Araújo Pereira diz que os "pós-saldos" da MEO são "pós [para os] portugueses" (...) pode parecer uma caricatura mas é um traço cada vez mais corrente da pronúncia da capital.
É evidente que as pessoas falam como aprenderam e como ouvem outros falar. A escola e os meios de comunicação têm um papel decisivo no modo de falar. Professores e comunicadores deveriam respeitar a norma erudita da pronúncia da língua. A adoção do dialeto lisboeta como norma vai tornando o português ibérico uma língua cada vez mais exótica, mesmo no contexto da lusofonia.
Vital Moreira, in Diário Económico
Assino por baixo.
Em geral as línguas têm variantes coloquiais ou populares, que naturalmente variam de região para região, e uma norma fonética formal ou erudita, que se ensina nas escolas e se utiliza no discurso oficial e no discurso público em geral. Em Portugal, porém, parece que deixou de haver norma fonética, deixando a língua à mercê de derivas desviantes.
Houve tempo em que as crianças aprendiam, por exemplo, a pronunciar "acordos" e "molhos" (culinária) com "o" fechado e não com "o" aberto, como hoje frequentemente se ouve. E também aprendiam que se devia dizer "ozolhos (os olhos) e não "ojolhos", "azalmas" (as almas) e não "ajalmas", como diz tanta gente mesmo com instrução superior.
Mas a principal responsabilidade pela degenerescência do Português falado no discurso público é a sua colonização pela pronúncia coloquial dominante em Lisboa, por efeito da rádio e da televisão.
Por exemplo, palavras como "rio", "pavio", "tio" e outras semelhantes são pronunciadas com "i" breve e não com "i" longo, como no resto do país. O ditongo "ai" desaparece em palavras como "baixa" e "faixa" (pronunciadas como "baxa" e "faxa") e o ditongo "ou" desaparece em "frouxo" ou "souto" (que são pronunciadas como "froxo" ou "soto") e outras palavras semelhantes. Mais perturbante é a generalizada palatalização da pronúncia de palavras como "piscina", "crescimento", "nascer", "seiscentos", etc. que soam como "pichina", "crechimento", "nacher", "seichentos", etc. O caso torna-se patético em palavras como "excesso", "excelente" ou "excitante", em que a primeira sílaba desaparece e a pronúncia sai como "chesso", "chelente" ou "chitante"! Imaginar que um dia todos os portugueses vão falar assim, dá pesadelos.
Outra caraterística do coloquialismo lisboeta é a tendência para omitir a pronúncia de vogais átonas no meio e no fim das palavras, como por exemplo em "parecer", "alemão", "diferente", "pele" ou "telefone", pronunciadas respetivamente como "parcer", "almão", "difrente", "pel" e "telfone" (ou mesmo "te'fone"!). Essas palavras perdem uma sílaba, por vezes duas, na sua versão falada. Outras formas correntes de "sintetização" do modo de falar de Lisboa é a contração de "mesmo" em "memo" ou de "estar" em "tar", de "para" em "pa" (como, por exemplo, em "ir pa Lisboa" ou "viajar pa Coimbra") e muitos outros casos. O recente anúncio em que Ricardo Araújo Pereira diz que os "pós-saldos" da MEO são "pós [para os] portugueses" (...) pode parecer uma caricatura mas é um traço cada vez mais corrente da pronúncia da capital.
É evidente que as pessoas falam como aprenderam e como ouvem outros falar. A escola e os meios de comunicação têm um papel decisivo no modo de falar. Professores e comunicadores deveriam respeitar a norma erudita da pronúncia da língua. A adoção do dialeto lisboeta como norma vai tornando o português ibérico uma língua cada vez mais exótica, mesmo no contexto da lusofonia.
Vital Moreira, in Diário Económico
Assino por baixo.
2 comentários:
E vão dois.
Resultado: F... a nossa querido LÍNGUA!
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