José
Manuel Pureza, directo ao assunto e cristalinamente
certeiro:
«Imaginem que uma
confederação internacional de sindicatos marcava para o dia das eleições
europeias uma sessão em Lisboa sobre o repúdio da austeridade como caminho para
a Europa. Ou que uma plataforma de organizações não governamentais convocava
para essa tarde, no Porto, uma sessão de solidariedade com as vítimas da
catástrofe humanitária na Grécia. Ou ainda que um conjunto de artistas
organizava nesse domingo um concerto de apoio à luta dos precários por um
emprego com direitos e contra o abuso dos recibos verdes.
Assim fosse e era
ver os líderes, sublíderes, aspirantes a líderes e jotinhas em bicos de pés,
todos em uníssono a bradar pelo cumprimento da lei eleitoral, exigindo a
proibição liminar de todos os actos públicos que interferissem directa ou
indirectamente na liberdade de escolha dos eleitores. Ora sucede que se aqueles
três cenários são óbvia fantasia, é a mais pura das verdades que o Banco Central
Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia entenderam
organizar em Sintra, no dia das eleições, uma jornada de propaganda da receita
de austeridade [que seguramente merecerá a mais ampla cobertura noticiosa]. O
displicente "que se lixem as eleições" de Passos Coelho virou escárnio da
democracia às mãos da troika. Para eles, que se lixem as eleições, que se lixe a
lei, que se lixe a democracia, que se lixe o Estado português. Manda quem paga e
quem paga manda que se faça um te deum de louvor à austeridade no dia em que ela
está em juízo pelo povo.
A troika já tinha
amarrado os partidos do seu arco à jura de terem um mesmo programa de governo e
a envolverem-no numa camuflagem de discordância mínima. Depois, já os tinha
vinculado por décadas ao cumprimento de uma legalidade superior - a do Tratado
Orçamental. Verdadeiramente, a troika já tinha transformado o seu arco
partidário numa coligação de facto. Não precisava, por isso, de aborrecer os
seus líderes máximos com uma vinda à periferia para dar gás ao cânone da
austeridade. Ter marcado viagem e alojamento a Draghi, a Lagarde e a Barroso
para o dia em que o País, pelo voto, vai ter a oportunidade de avaliar pela
primeira vez o verdadeiro programa de governo da grande convergência que é o
arco do Tratado Orçamental já não pertence ao domínio da tática política de
momento. Não, é outra coisa. É uma estratégia de humilhação do dominado pelo
dominador. A mensagem da jornada de Sintra para o povo português é clara:
"Pensas que escolhes? Pois desengana-te. Não há cá escolhas nem fantasias
democráticas. Tu és devedor e devedor hás-de permanecer. E, por isso, essa coisa
da democracia não se te aplica. Porque a tua única escolha é entre austeridade
de manhã e à tarde ou austeridade de tarde e de manhã.
Habitua-te."
O 1640 de que fala
vibrantemente Paulo Portas é isto: os Filipes vêm a Sintra festejar a ocupação
libertadora de Portugal. O grande alívio nacional com a saída da troika é a
substituição dos mangas de alpaca que vêm de Bruxelas, Frankfurt e Nova Iorque
para conferir as folhas de Excel no Terreiro do Paço pelos barões que realmente
decidem o nosso destino. Passos Coelho e Paulo Portas estremecem de emoção com o
"fim do protectorado". Pois bem, Portugal é hoje um território não autónomo sob
mandato da troika. O que ela nos vem dizer, em Sintra, no Domingo em que
votamos, são duas coisas muito importantes: a primeira é que milhões dos nossos
votos não valem nada, o que vale é a carta de intenções que o Governo enviou ao
FMI para poder anunciar uma saída limpa; a segunda é que o que está errado na
expressão "saída limpa" não é [só] o adjectivo "limpa", é o substantivo
"saída".»
Recebido por emal
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