É tempo de fazer contas
Por Antunes Ferreira
Para António Costa começou
o tempo mais difícil: o de fazer contas. Neste particular a agilidade e
o jogo de cintura são essenciais. Essenciais? Obrigatórios. Enquanto decorreram
as conversações a três para a formação de um governo de esquerda – e, tanto
quanto se sabe elas foram duras – estava-se no princípio do ano do estado de
graça. Não se partiu para um casamento, porque as juras de fidelidade mútua não
foram enunciadas. Quando muito foi um contrato nupcial nunca um sacramento como
defende a Igreja.
Por força da necessidade de recuperar o período que Cavaco
Silva gastou inutilmente a fim de
protelar a tomada de posse do Governo de Costa, os três partidos nem tiveram
tempo de chegar ao estado da construção de um Executivo fácil. Bem pelo
contrário, eles nem seguiram para a lua-de-mel. E não consta que tenha havido
um, ainda que singelo, copo de água. Penso que nem havia copo muito menos água,
exceptuando a que fora metida pela
estuporada coligação que durante quatro anos (penosos) tentou dar cabo de um
país chamado Portugal.
O prof. Cavaco, como se comprovou no palácio da Ajuda, não
queria de forma nenhuma aceitar um Governo do PS apadrinhado pelo PCP e BE. O
rictus que afivelou na face desde o início da cerimónia davam bem a ideia de
como estava zangado; mas naquele momento já não havia nada a fazer. No entanto
na mente doentia do suposto PR estava de há muito, instalada uma malandrice: o
discurso ameaçador que utilizou. Cavaco apenas reforçou o que se sabia: é
vingativo, inculto, ressabiado e mentiroso. Porém, Costa soube responder-lhe
bem e civilizadamente…
Por tudo isso – e dando de barato que foi e é o principal
culpado do estado a que se chegou (muito boa gente o diz; eu sempre o disse..)
– o tempo que se perdeu entre o que devia ter sido utilizado na tomada de posse
e o que ele gastou em reuniões de todos os que lhe convinham, levou a que o
Governo de Esquerda se veja, agora, confrontado com a obrigatoriedade de
queimar etapas em coisa de tanta importância como são o OE do ano que ainda
corre e o que será aplicado em 2016.
Não se quis lembrar (ou não quis que o fizessem recordar)
que, quando primeiro-ministro mandou arrancar vides e oliveiras e afundar
barcos de pesca a troco de moeda mandada pela então CEE, por isso era um bom
aluno… As contradições levaram-no a ordenar que a economia portuguesa devia-se
fundamentar na… agricultura e na pesca.
E a inflação dos salários dos funcionários públicos – quem o fez?
Pelo
caminho Costa teve de assegurar que Portugal, como tinha afirmado, iria cumprir
todas as obrigações, quer na UE quer na NATO. No meio desta senda turbulenta,
ainda se pôde ouvir o senhor
Wolfgang Schäuble a dizer que o
actual primeiro-ministro era um tipo simpático e que começara a gostar dele
desde o tempo em que ambos eram ministros dos assuntos parlamentares e
europeus. Quem diria? Mas o facto é que António Costa registou um golo para o
desafio que tinha, tem e terá num horizonte político que se antevê proceloso.
Por isso rebobino para
voltar ao início deste comentário: é tempo de fazer contas. E, apesar de ser o
ministro das Finanças, Mário Centeno tem de utilizar um computador super certo.
Os que eram usados pela falecida coligação eram mentirosos. Vão-se agora
descobrindo buracos que um dia destes poderão ser aproveitado para procurar
petróleo ou como entradas de novas estações do metropolitano. A ironia que
costumo colocar em quase todos os meus textos poderia originar um sorriso –
mesmo que amarelo.
Porém, no caso
presente não estou a tentar contar uma anedota. A situação é tão grave que
nunca justificaria o recurso ao riso. Pelos vistos os cofres estão cheios de…
ar e vento, ou quase. As crónicas e hipotéticas almofadas agora uma vez mais
sublinhadas por Cavaco são miragens miríficas: de almofadas só têm o nome e
dando de barato que possam existir, não têm sumaúma nem sequer fronhas.
Portanto é tempo de
calculadora e é tempo de aferição da solidariedade dos dois parceiros do
Governo que o apoiam no parlamento, mas não fazem parte dele. Os amigos são
principalmente para o lado mau das coisas. Não se pode estar – pelo menos na
política – com um pé fora e outro dentro. Jerónimo e Catarina não podem esticar
a corda; não podem nem devem. E já é corrente que há divergências comprometedoras
em especial no que respeita ao salário mínimo.
Porque bem vistas as
coisas há que remar no mesmo sentido, ainda que a contragosto. E não esquecer
que há muita gente a meter paus diversos na engrenagem. Cavaco, por exemplo,
voltaria ao “eu bem os avisei” porque, ele o disse, “nunca me engano e
raramente tenho dúvidas”…
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