sexta-feira, 14 de agosto de 2015

CONTRIBUTOS EXTERNOS

Merkiavelismo?

Por Antunes Ferreira


A chamada crise grega é como a Nau Catrineta: que trazia muito que contar! (…) “não tinham já que comer, nem tão-pouco que manjar…” Mas esta cantiga tradicional de autor desconhecido não trazia muito que contar; na sua antítese a chamada crise grega está muito mal contada. Com episódios tremendos, gravíssimos, tonitruantes,  mas também ridículos: "por acaso foi minha a ideia” segundo o nosso primeiro que depois foi desmentida pelo presidente do Conselho Europeu.

Donald Tusk contou uma história diferente. Em entrevista a vários jornais europeus ("Financial Times", "Le Monde", entre outros), especificou os momentos críticos que antecederam o acordo. Sem nunca referir o nome de Passos Coelho, Tusk garante que foi o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, que teve a ideia que permitiu chegar a um consenso. "O primeiro sinal de que poderíamos conseguir um acordo foi um SMS do primeiro-ministro Rutte. Quando apresentei a sua proposta de usar 12,5 mil milhões do fundo para pagar a dívida e outros 12,5 para investimentos ninguém pareceu particularmente impressionado, mas a partir daí a ideia estava em cima da mesa".  Quem o alheio veste, na praça o despe…


Uns dias depois veio a saber-se quem ganhara com a crise, como e quanto. O Instituto (alemão) de Investigação Económica Leibniz em documento por ele assinado afirmou que a Alemanha conseguiu facturar mais de cem milhões de euros em consequência da crise. Ninguém tugiu nem muito menos mugiu.
Este valor representa a poupança garantida pela Deutschland através de baixas taxas de juro sobre as suas obrigações, resultantes da atracção da sua economia sobre investidores assustados com a instabilidade grega. Estas declarações foram transmitidas pela France-Presse, uma agência noticiosa que não costuma ser desmentida.
Vamos a fatos concretos: “Nos anos recentes, cada vez que os mercados financeiros souberam de notícias negativas sobre a Grécia, as taxas de juro sobre as obrigações do governo alemão caíram, e cada vez que as notícias foram boas, elas subiram”, indicou o documento. Recordemos que o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, fora uma das vozes mais críticas para com a reestruturação da dívida grega, apontando para o orçamento equilibrado do seu governo.
Ainda de acordo com o estudo do Instituto de Investigação Económica Leibniz, os cem milhões de euros que a Alemanha poupou desde 2010 constituíram cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Corri os jornais, as rádios, as televisões, a Internet as agências de notícias e as de notação e não vi comentários, pelo menos um, sobre o documento.
Pelos vistos, a (des)União Europeia tem andado muito distraída ou muito bem domada pela Fräu Merkel que está à frente de Hillary Clinton e de Dilma Rouseff na lista das mais poderosas, elaborada pela revista "Forbes".  As cem mulheres que integram este ranking, com idades compreendidas entre os 25 e os 85 anos, controlam um total de 30 mil milhões de dólares, escreve a revista. Ou então finge muito bem. Foi o nosso Fernando Pessoa que escreveu “O poeta é um fingidor; Finge tão completamente; Que chega a fingir que é dor;
a dor que deveras sente.”
A questão é simples, muito simples mesmo: como já era sabido a patroa da Europa (des)Unida é a chanceler alemã - com alguns vassalos a fingirem-se de momos como é o caso do nosso primeiro. Momos ou truões que divertem Berlim, mas entristecem e desonram a Grécia e outros que tais. Coelho é um deles, Cavaco é outro. Mas tendo em conta os cem milhões de euros que entraram e entram nos bolsos da Alemanha, há que perguntar: estão a fazer-nos de parvos ou fingem muito bem? 
A questão parece pertinente e verosímil; andamos todos atrelados à locomotiva de Berlim? Andamos. Quando um dia se fizer a Nova História da Europa - e acredito que isso acontecerá – o novo hino dum velho continente terá voltado a ser o “Deutschland über alles”? De acordo com sociólogo e escritor alemão, Ulrich Beck que diz que a prática política da Chanceler Merkel é alicerçada num pensamento e acção que ele denomina Merkiavelismo,  (como escreveu Gustavo Cardoso  num artigo publicado no “Público” em 28/08/2013) tudo parece indicar que Hitler, onde quer eu esteja, ri-se a bandeiras  despregadas. E entretanto continuam a entrar nos cofres de Herr Schäubler milhões e milhões de euros por mor da chamada crise grega – ou de outra crise qualquer – sem cuidar se a (des)União Europeia está ou não em coma amarrada ao “oxigénio” alemão.


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