Merkiavelismo?
Por Antunes Ferreira
A chamada crise grega
é como a Nau Catrineta: que trazia muito que contar! (…) “não tinham já que comer, nem tão-pouco
que manjar…” Mas esta cantiga tradicional de autor desconhecido não trazia
muito que contar; na sua antítese a chamada crise grega está muito mal contada.
Com episódios tremendos, gravíssimos, tonitruantes, mas também ridículos: "por acaso foi minha a
ideia” segundo o nosso primeiro que depois foi desmentida pelo presidente do
Conselho Europeu.
Donald Tusk contou uma história diferente. Em entrevista a vários
jornais europeus ("Financial Times", "Le Monde", entre
outros), especificou os momentos críticos que antecederam o acordo. Sem nunca
referir o nome de Passos Coelho, Tusk garante que foi o primeiro-ministro
holandês, Mark Rutte, que teve a ideia que permitiu chegar a um consenso.
"O primeiro sinal de que poderíamos conseguir um acordo foi um SMS do
primeiro-ministro Rutte. Quando apresentei a sua proposta de usar 12,5 mil
milhões do fundo para pagar a dívida e outros 12,5 para investimentos ninguém
pareceu particularmente impressionado, mas a partir daí a ideia estava em cima
da mesa". Quem o alheio veste, na praça o despe…
Uns dias depois veio a saber-se quem ganhara com a crise,
como e quanto. O Instituto (alemão)
de Investigação Económica Leibniz em documento por ele assinado afirmou que a
Alemanha conseguiu facturar mais de cem milhões de euros em consequência da
crise. Ninguém tugiu nem muito menos mugiu.
Este valor representa
a poupança garantida pela Deutschland através de baixas taxas de juro sobre as
suas obrigações, resultantes da atracção da sua economia sobre investidores
assustados com a instabilidade grega. Estas declarações foram transmitidas pela
France-Presse, uma agência noticiosa que não costuma ser desmentida.
Vamos a fatos
concretos: “Nos anos recentes, cada vez que os mercados financeiros souberam de
notícias negativas sobre a Grécia, as taxas de juro sobre as obrigações do
governo alemão caíram, e cada vez que as notícias foram boas, elas subiram”,
indicou o documento. Recordemos que o ministro das Finanças alemão, Wolfgang
Schäuble, fora uma das vozes mais críticas para com a reestruturação da dívida
grega, apontando para o orçamento equilibrado do seu governo.
Ainda de acordo com o
estudo do Instituto de Investigação Económica Leibniz, os cem milhões de
euros que a Alemanha poupou desde 2010
constituíram cerca de 3% do Produto
Interno Bruto (PIB) do país. Corri os jornais, as rádios, as televisões, a
Internet as agências de notícias e as de notação e não vi comentários, pelo
menos um, sobre o documento.
Pelos vistos, a (des)União
Europeia tem andado muito distraída ou muito bem domada pela Fräu Merkel que está
à frente de Hillary Clinton e de Dilma Rouseff na lista das mais poderosas,
elaborada pela revista "Forbes". As cem mulheres que integram este
ranking, com idades compreendidas entre os 25 e os 85 anos, controlam um total
de 30 mil milhões de dólares, escreve a revista. Ou então finge muito bem. Foi
o nosso Fernando Pessoa que escreveu “O poeta é um fingidor; Finge tão completamente; Que chega a fingir que é
dor;
a dor que deveras sente.”
a dor que deveras sente.”
A questão é simples,
muito simples mesmo: como já era sabido a patroa da Europa (des)Unida é a
chanceler alemã - com alguns vassalos a fingirem-se de momos como é o caso do
nosso primeiro. Momos ou truões que divertem Berlim, mas entristecem e desonram
a Grécia e outros que tais. Coelho é um deles, Cavaco é outro. Mas tendo em
conta os cem milhões de euros que entraram e entram nos bolsos da Alemanha, há
que perguntar: estão a fazer-nos de parvos ou fingem muito bem?
A questão parece pertinente
e verosímil; andamos todos atrelados à locomotiva de Berlim? Andamos. Quando um
dia se fizer a Nova História da Europa - e acredito que isso acontecerá – o
novo hino dum velho continente terá voltado a ser o “Deutschland über
alles”? De acordo com sociólogo e escritor alemão, Ulrich Beck
que diz que a prática política da Chanceler Merkel é alicerçada num pensamento
e acção que ele denomina Merkiavelismo,
(como escreveu Gustavo Cardoso
num artigo publicado no “Público” em 28/08/2013) tudo parece indicar que
Hitler, onde quer eu esteja, ri-se a bandeiras
despregadas. E entretanto
continuam a entrar nos cofres de Herr Schäubler milhões e milhões de euros por
mor da chamada crise grega – ou de outra crise qualquer – sem cuidar se a (des)União
Europeia está ou não em coma amarrada ao “oxigénio” alemão.
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