Os robertos de Tancos
Por Antunes Ferreira
Uma opera buffa não
conseguiria ser pior do que o famigerado caso do desaparecimento-aparecimento
das armas de Tancos. Nem sequer uma tenda
de robertos se poderia assemelhar
ao folhetim estapafúrdio que pôs de rastos o Exército português. Pelo menos na
minha meninice quando os saltimbancos armavam nos passeios as quatro varas
sobre as quais estendiam os panos atrás dos quais moviam as marionetas
rudimentares os putos que nós eramos divertíamo-nos com a algaraviada das
personagens e pagámos os cinco tostões que era o preço que podíamos dar pelo
espectáculo.
A instituição castrense não pode ser uma brincadeira e este
tristíssimo caso infelizmente tem todas as características disso. Perante ele o
público – ou seja os cidadãos – parece
estar a assistir a um filme cómico sem Charlot mas com militares e uns quantos
civis todos no palco como diria o José Estebes “tudo à molhada e fé em Deus”. Só que aqui não se tratou do “Bamos lá cambada”; bem pelo contrário
foi uma encenação que devastou uma instituição cuja seriedade e galhardia não
pode ser posta em causa. E foi.
Cada dia que passa vai acrescentando novos pormenores a este
complicadíssimo assunto e agravando o que já era e é gravíssimo. As cabeças que
já rolaram não sere de atenuante muito menos de exemplo. Um qualquer exército
tem forçosamente que respeitar o princípio da hierarquia. É ela que está na
base da sua organização. Subvertê-la é por si só um crime. Vão longe os
sovietes de soldados e marinheiros da revolução russa de 1917 e viu-se o que
isso deu. Não se pode repetir uma experiência tão amarga, ainda que se tentasse
em vários países que isso acontecesse.
Este mirabolante toma lá dá cá de armamento veio acrescentar
ao início do descrédito do Exército com o que acontecera no curso de comandos
em 2016 com a morte dos soldados Hugo Abreu e Dylan da Silva um preocupante criticismo da população sobre os
militares. Não posso falar e ódio porque seria demasiado, mas quando a dúvida
se instala tudo pode vir a acontecer.
Eu próprio estive nas fileiras como oficial miliciano cinco
anos dezoito dias e umas quantas horas por motivos políticos. Chamaram-me comunista, embora o não fosse (e
se o fora não me cairiam os parentas na lama…) mas, por incrível que pareça foi
oficial da PJM, a Polícia Judiciária Militar – que não tinha nada que ver com
esta que agora está na merda.
Por isso me custa assistir a este episódio degradante. Na
tropa aprendi uma série de virtudes e também de maldades. Não enjeito esse
longo período em que tive que comandar homens e levá-los quem sabia se até à
morte. Um morreu-me em plena mata nos meus braços. É experiência que não desejo
a ninguém. Fiz amigos e entendi o que quer dizer solidariedade.
O que está a acontecer é impossível – mas está a acontecer.
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