Mais um contributo do Henrique Antunes Ferreira
Francisco e o poder
Por Antunes Ferreira
As declarações, práticas e decisões do Papa Francisco têm
provocado as mais diversas opiniões dentro e fora Igreja Católica Apostólica e
Romana. Parecendo ser uma verdade do amigo Banana ou de Monsieur de la Palice,
a verdade é que não é. O que disse, por exemplo, sobre os homossexuais veio
abanar um dos pontos de honra do Vaticano: ele tem vindo permanentemente a
considera-los pecadores.
O primeiro cardeal do continente americano e oriundo dos
jesuítas de seu nome Jorge Mario Berglogio, de acordo com uma senhora Amália
que namorou quando adolescente, tinha pedido a sua mão e, em caso de recusa,
seria padre. E a Papa chegou, escolhido ao segundo dia do Consistório, mais
precisamente a 13 de Março deste ano que está prestes a terminar. E logo na sua
primeira aparição aos fiéis que enchiam a praça de S. Pedro, deu uma indicação
de algo iria mudar na Santa Sé: apareceu à varanda usando apenas a batina
Branca.
Tudo o que a seguir viria a acontecer demonstrou que
Francisco (escolheu em homenagem ao santo dos pobres, S. Francisco de Assis)
trilhava novos caminhos para religião católica. Despoja do que considerou o
excesso de pompa, decidiu morar na residência dos cardeais quando estes se
deslocam a Roma. Para não estar só, disse então, pois precisava de gente para
conversar, trocar ideias, em última análise, pessoas com quem queria conviver.
Daí em diante esforçou-se numa conduta para demonstrar essas
intenções, o que para o ramo mais conservador da Igreja começou a parecer um
exagero. Porém, por outra facção mais liberal foi entendido como um reformador.
O povo dos fiéis achou-o simpático, simples, com quem se podia conversar; o
episódio do seu telefonema para um jovem que lhe enviara uma carta,
transformou-o num Papa aberto, civilizado, actualizado.
No entanto não se pode esconder que o marketing tem cada vez
maior importância no Mundo. E os que o organizam no Vaticano sabem o que estão
a fazer. Uma figura constrói-se à volta de quem tem condições para isso.
Francisco tem-nas. Facilitou assim o trabalho dos especialistas. Mas, simultaneamente,
começou a correr que era demasiadamente “incómodo”. E de pronto se apontou o
Papa João Paulo cuja morte continua a provocar as mais diversas especulações
resumíveis numa pergunta: teria sido eliminado, assassinada para bastantes
investigadores?
De repente, Francisco divulgou o primeiro documento
importante de seu pontificado, a Exortação
Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria
do Evangelho). Ao longo de 84 páginas, o papa faz um apelo à protecção dos
cristãos nos países muçulmanos, condena os excessos do capitalismo financeiro e
defende reformas na Igreja Católica. Mas, por outro lado, continua
intransigente em relação a questões como a ordenação das mulheres e o aborto.
No texto, o papa exorta os líderes das principais potências
mundiais a lutar contra a pobreza e as desigualdades geradas pelo capitalismo
financeiro, que ele chama de "nova tirania invisível". Ele denuncia
"a nova idolatria do dinheiro" e um sistema económico que causa
"exclusão". O papa sublinha que "o dever dos ricos, em nome de
Cristo, é ajudar os pobres".
"Não é possível que um idoso obrigado a viver na rua
morra de frio na indiferença de todos, enquanto dois pontos de alta na bolsa de
valores se tornem manchete nos jornais", escreve o papa num capítulo
dedicado aos desafios globais da actualidade. "A desigualdade social é a
raiz dos males da sociedade", afirma. Pode assim sintetizar-se este
“programa de governo” numa frase do texto: quando acenta que o sistema
económico criou “algo de novo: os excluídos não são explorados, são desperdícios,
lixo”.
"Enquanto os problemas dos pobres não forem
radicalmente resolvidos por meio da rejeição da autonomia absoluta dos mercados
e a especulação financeira, e pelo ataque às causas estruturais da
desigualdade, nenhuma solução será encontrada para os problemas do mundo ou,
nessa matéria, para quaisquer problemas", ainda escreveu..
O papa argentino pretende
renovar a Igreja, mas apenas até certo ponto. Há temas, como atrás se refere:
são intocáveis, por mais liberal que seja a “reforma” preconizada: o aborto e a
ordenação das mulheres. E mesmo a discussão entre os católicos, de forma organizada, dos mais variados
assuntos da religião foi encarada – e é – por muitos deles que torceram o nariz
perante a iniciativa papal. Receiam que se esteja a demonstrar o mons parturiens.
Ou dito de forma diferente: tanta publicidade na inovação para no fim continuar
o mesmo produto, ou seja tudo como dantes.
1 comentário:
O João Paulo referido é o I, não?
Não me espanto com o uso do marketing por parte do Vaticano. Seja como for, este Papa tem qualquer coisa de diferente dos anteriores. Reconduz-me ao Papa João XXIII, esse com o aspecto rural e provinciano. E Roma e Pavia não se fizeram num dia, como é sabido. O Vaticano nunca deu passos maiores que a perna e tempo é o que não lhe falta. Aguardemos.
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