segunda-feira, 7 de abril de 2014

TRANSCRIÇÕES



As difíceis vidas de Paulo e Vítor

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Os licenciados portugueses das mais variadas profissões 
têm sido aliciados por agências de recrutamento com o 
intuito de os levar a emigrar na senda de melhores 
vencimentos e, num significativo número de casos, 
em busca de um mero emprego. Desde há algum tempo 
que, em Portugal, o desemprego deixou de ser exclusivo
dos cidadãos indiferenciados, atingindo actualmente
 cerca de 92 mil pessoas com curso superior, do conjunto
 de 812 mil desempregados contabilizados pelo INE,
 dos quais cerca de 344 mil estão em risco de pobreza, 
isto é, dispõem de menos de 409 insustentáveis euros 
por mês para fazer face às suas despesas.
O desemprego mais desrazoável, porém, é o dos 
cerca de 300 mil cidadãos ditos "nem-nem", compatriotas 
que, por força das agruras da vida, não estudam 
nem trabalham (nem tão-pouco frequentam qualquer 
acção de formação). O facto de não terem emprego -
 ou de não se encontrarem presentemente a estudar - 
faz com que muitos deles acabem por abandonar 
o país como sucedeu, só no último ano, a mais de 120
 mil emigrantes.
Tal é o caso de Paulo e Vítor, dois concidadãos "nem-nem" 
que, com indizível sacrifício pessoal, optaram por não 
agravar as estatísticas dos centros de emprego (nem solicitar 
qualquer subsídio), atrevendo-se a sonhar mais alto, numa
 intransitiva atitude de arrojo e coragem, decidindo trocar 
a pátria (com uma mala na mão), pela diáspora. 
Vendo-se penosamente sem sustento, com as carreiras 
profissionais injustamente destruídas, não hesitaram 
em emigrar engrossando o 
êxodo de portugueses rumo ao desconhecido.
Um desses destemidos patrícios é Paulo Varela Gomes,
 profissional da área da Segurança, inesperadamente 
privado do seu posto de trabalho (como director 
nacional da PSP), na sequência do inflamado "motim" 
das forças policiais na escadaria do Parlamento, 
a 21 de novembro transacto. Da noite para o dia, sem 
que nada o fizesse prever, Paulo viu-se forçado a emigrar
 para Paris (de França), a fim de aceitar trabalho como 
oficial de ligação da Embaixada de Portugal na Cidade-Luz -
 lugar alegadamente criado para ele, inserido no projecto 
de segurança do G4 que engloba Portugal, Espanha, França 
e Marrocos. Um posto de menor responsabilidade, portanto. 
Pese embora vá ganhar apenas 12 mil euros por mês
 (pouco mais do que o triplo do que auferia em Portugal),
 na mesma área profissional onde alegadamente falhou,
 ainda assim Paulo abraçará esta (segunda) oportunidade 
com desmesurada dedicação, como aliás tem sido apanágio 
da generalidade dos seus compatrícios em Paris, desde as 
porteiras aos padeiros, com quem Paulo irá decerto privar 
nalguma pitoresca taberna de fados ao fim de um dia de
 trabalho.
 Boa sorte, Paulo!
Desfecho igualmente feliz teve o caso do seu compatriota 
Vítor 
Gaspar que se viu confusamente desalojado do lugar de 
ministro
 das Finanças de Portugal, sendo obrigado a partir para as 
américas para aceitar trabalho na incerta metrópole de 
Washington como director dos Assuntos Orçamentais do 
FMI (a mesma área profissional onde confessadamente 
falhou), 
remedeio pelo qual irá receber a parca quantia de 23 mil 
euros 
mensais (somente o quíntuplo do vencimento de um 
ministro em Portugal). Apesar disso, Vítor irá empenhar-se 
com abnegação, 
com o fito de juntar um pé-de-meia para um dia (quem sabe?)
 regressar em condições de proporcionar a si e os seus uma
 vida condigna e melhor. Felicidades, Vítor!
São exemplos como estes de vidas anónimas e destroçadas,
 fruto da crónica falta de respeito com que um país madrasto
 brinda os seus cidadãos - que trabalham a vida inteira apenas
 para ver os seus salários e pensões renegociados
 unilateralmente 
sem consentimento - que nos levam a todos a acreditar que a
 felicidade é possível, que a vida ainda pode sorrir, que para 
cada um de nós há uma oportunidade à espreita desde que, 
naturalmente, como Paulo e Vítor, nos disponhamos a sair 
da nossa infame zona de conforto, trocando o perto pelo 
incerto,
 longe dessa preguiçosa facilidade que é ficarmos parados a 
apodrecer, como cadáveres adiados, com a inaceitável 
desculpa 
de que não conhecemos as pessoas certas.


Transcrito do JN de hoje, sem comentários

1 comentário:

maceta disse...

Fico satisfeito por estes dois, que se safaram desta crise.E, merecem...os tachos.