segunda-feira, 5 de março de 2012

CRÓNICAS E ESTÓRIAS DO ZÉ GIL

A CORTIÇA
Gil Monteiro *

Creio, sempre o pensei, que temos uma forte idiossincrasia, e grande capacidade de trabalho e inovação. Somos um povo, sem qualquer prosápia, de indivíduos espertos, e desembaraçados, para não dizer desenrascados, dos melhores do Mundo, ainda que pela matreirice!
Porquê o nosso atraso ancestral?! O que têm a mais os povos mais evoluídos?
Foi devido ao fraco índice de escolaridade. Desde as lutas liberais, passando por cinquenta anos de obscurantismo quando, para reduzir o crónico défice financeiro, foram mandadas encerrar escolas do Magistério Primário! O analfabetismo permanente e as estruturas obsoletas não deixaram seguir o progresso.
Os emigrantes forçados (para Angola era preciso uma carta de chamada!) serviram como mão-de-obra barata no Brasil e, mais tarde, em França e Alemanha, onde “abriram os olhos” e criaram fortunas, hoje publicitadas.
Quando, na Europa dos anos sessenta, a Inglaterra tinha uma cobertura de mais de 50% de crianças no ensino infantil, em Portugal, o Estado nem educadoras ainda formava. Era graças às ações religiosas e ao ensino particular que eram dados os primeiros passos, competindo às professoras do Primário a inspeção das poucas educadoras dessas instituições. Só agora temos pleno ensino e licenciados empurrados para emigração!
Soube ontem, que uma eng.ª florestal, licenciada na Utad, e desempregada, foi escolhida para um posto de trabalho na Suécia. O marido, fator dos tempos (!), pediu o divórcio, sem o mais pequeno drama ou problema.
O Douro vinhateiro ainda tem manchas de sobreiros e azinheiras. Foi graças a uma prancha de cortiça duriense que aprendi a nadar, na represa do rio Corgo da Timpeira, enquanto aluno do liceu de Vila Real.
Dá para acreditar?! Fiquei cheio de vaidade ao assistir pela TV às primeiras reportagens sobre as novas utilizações da cortiça: grande criatividade, inovação; êxitos na exportação; desde guarda-chuvas ou malas chiques de senhora! Agora, vi mais: transformada para complementos de jóias e objectos de arte. Os famosos designers lusos descobriram na cortiça o eldorado da criatividade. Quando da utilização para rolhas, tarros, pavimentos e isolamentos, estava longe o poder ser material das naves espaciais!
Na Instrução Primária, ficava ancho quando o professor Matos, em Provesende, falava das produções agrícolas, e afirmava:
– Portugal é o 4º produtor mundial de azeite e o 1º na cortiça.
Tenho reparado na moda dos sapatos de senhora serem cada vez mais altos, graça à cortiça na planta do pé. Será que a moda pega?
Foi com Amália que decorei o fado Ai Mouraria, cantado por um ceguinho e a letra lida em folheto (ainda soletrava!). Em Roalde, não havia um rádio, tinha apenas uma grafonola de agulhas de aço e 7 discos, um meio partido, mas aproveitado nas espiras centrais!
Quando vi no cinema D. Dinis de Vila Real a fadista Amália Rodrigues, na fita Capas Negras, fiquei deslumbrado com a sua “boca de sapo” e a estatura alta. Era uma Diva. Mas, ao saber, mais tarde, que os usos dos vestidos compridos eram para encobrirem os sapatos com palmilhas de cortiça que a tornavam mais alta, ficou perdoada e mais venerada como cantora e compositora de bonitos e vibrantes fados que deu “cartas ao Mundo”...

Porto, 22 de fevereiro de 2012

*José Gil Correia Monteiro
jose.gcmonteiro@gmail.com

1 comentário:

500 disse...

Não percebi como é que se consegue "meter" a Amália no tema da cortiça. E o cinema chamava-se mesmo D. Dinis? Não seria Avenida? Ou teria sido no Teatro Circo? Mas gostei daquela de aprender a nadar no Corgo, ali para a Timpeira, numa prancha de cortiça... E o local era perigoso...