sábado, 18 de outubro de 2014

CONTRIBUTOS EXTERNOS


2,60 € por mês e o Pai Natal

Por Antunes Ferreira


De acordo com o famigerado OE 2015 parece que as pensões mínimas são aumentadas. Mais: dizem-me que o aumento é de € 2,60 por mês. Quantia mais do que substancial. A titular da pasta das Finanças Maria Luís Albuquerque disse até que: "muitas famílias vão ter mais poder de compra" graças ao novo Orçamento. É obra.

O ar altivo e aristocrático da governanta, digo, governante e a sua impassibilidade permitiram-lhe afirmar esta barbaridade perante as câmaras televisivas. C’os diabos 2,60 € por mês sempre são 2,60 € mensais. Imagine-se o que certamente se irá verificar; com uma actualização de 2,60 € mensais,  desde as grandes superfícies até às PME soltarão, quero crer, um suspiro de alívio; isto estava mal, mas agora e que se vão deitar foguetes pelo aumento do poder de compra que está na directa proporção do aumento das vendas.

Mas, deixemo-nos de ironias, aliás estúpidas e inoportunas: o aumento é vergonhoso, mas também é aviltante. Já não basta um cidadão andar a morrer de fome, a estender a mão à caridade, a rebuscar nos caixotes de lixo em busca de algo que ainda se possa comer, e ainda vêm despudoradamente estes (des)governantes criminosos gozar com ele.

Porque, disso não haja dúvidas estes 2,60 € de aumento mensal são um escarro de face dupla. A quem o recebe e os que o “dão”. Já se sabe que não há respeito pelos mais desfavorecidos; já se sabe que os pobres são pobres até morrer; já se sabe que os ricos são os detentores do poder e que o antigo $ comandava  a vida e agora o € também o faz. Mas, pelo menos haja vergonha nas caras dos que dizem que nos governam e, afinal, apenas (des)governam.

Em 1874, Tomás Ribeiro, na sua obra “D. Jaime” utilizou pela primeira vez a expressão Jardim à beira-mar plantado. Há frases que ficam na História pela positiva; outras que que primam historicamente pela negativa. Foi Stefan Zweig quem criou o Brasil, país do futuro, que funcionou como um anátema para o país irmão. A partir daí os brasileiros tentaram esforçadamente dizer que a sua terra era o país do presente.

Neste país – mesmo que seja à beira-mar plantado – a hora é da desmoralização, do sofrimento, da crise, da austeridade, mas também da autoridade. Faz-se um Orçamento do Estado, o primeiro depois da funesta troika, mas segue-se o caminho traçado pela trindade amaldiçoada, UE, BCE e FMI. Isto quer dizer que do pouco de “autonomia” que nos restava tirou-se tudo. A política financeira do Estado desenha-se em Bruxelas, ou mais propriamente, em Berlim.

O primeiro-ministro (?) afirmou, aparentemente convicto que este não era o Orçamento eleitoral, referindo-se às legislativas que estão por aí a rebentar. Assim sendo, porquê a aparente diminuição de impostos (onde? Quando? Como?), porquê a devolução de roubos feitos aos funcionários públicos (agora trabalhadores da Função Pública, para ser politicamente correcto), porquê promessas em que ninguém já acredita, porquê a ressurreição do Pai Natal?

Todos os Executivos perante a eminência de eleições entram pelo caminho da facilidade (e não da felicidade), das benesses, das concessões. Nas urnas (que são a demonstração pública embora secretas da Democracia) joga-se normalmente e em Liberdade quem ficará com o poder. Não é novidade dizê-lo, o Amigo Bana não se envergonharia de o afirmar. Para ganhar o poleiro, entra-se na via do vale-tudo, da desonra, do opróbrio, da desilusão, em suma. Ou seja, prostituem-se as eleições.

Mas dar aos pobres, aos desgraçados, aos esfomeados um aumento de 2,60 € mensais é, além de tudo o mais, um descaramento. No entanto, por esse país fora, em especial nas aldeias do interior, ainda há quem vá nos 2,60 € por mês. Como ainda há quem acredite no Pai Natal.


   

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