quarta-feira, 10 de julho de 2013

ESTÓRIAS DO ZÉ GIL

PASSARADA
                                                                                                      Gil Monteiro*

Em tempo de crise, tudo muda para pior. Falo nas condições do meio ambiente, pois nas organizações sociais os mais desprotegidos são os mais vulneráveis a pagar os insucessos.
Jamais pensaria que a grande crise económica, que assola Portugal, a Europa e, diria, o Planeta, fosse interferir tanto nas aves do Céu! Como as condições climáticas do norte do globo se alteraram muito, os bandos de estorninhos e tordos começaram a arribar ao Douro mais cedo, ainda com as oliveiras a florir e os cereais sem sementes! Esperamos que as levas de tordos, a dizimarem a azeitona dos olivais, este ano não se verifiquem. As cerejas já pagaram as favas!...
Ir a Soutelo do Douro às cerejas temporãs e alertado para invasão dos pássaros, pensava, mesmo assim, em matar o desougo, e ofertar outras aos amigos do Porto. Qual quê?! Apenas comi uma, camuflada entre abundante folhagem. A Maria Fernanda só verificou a razia e o solo “estrumado” de caroços dos frutos, e outros pendurados, ligados pelos pedúnculos na árvore!
O Carlos elucidou:
 – Tentei cobrir uma cerejeira com lonas da azeitona mas, em três dias, a folhagem começou a amarelar. Portanto, era preciso estar alguém a guardar as cerejas. A fome da passarada era tanta que nem respeitaram os espantalhos! O Barrosas chegou a ir para o Cortinhal dar tiros aos estorninhos, mas, ao mandar chumbos para uma cerejeira, outra era atacada... Desistiu!
Os tempos têm sido tão pródigos para as aves que os ninhos, encontrados na quinta, são muitos. Sim: gosto de os procurar e observar, sem chegar muito por perto ou perturbar. Mas, não contava que, em cedros plantados, aquando do nascimento dos meus filhos, acolhiam vários ninhos, de pintassilgo, melro e rola (dita asiática). Um, perto das escadas da cozinha, as pessoas passavam e a ave continuava tranquila no choco!... Se há árvores próprias para ninhos são as oliveiras. Por ter visto um gaio – caso raro, agora – bem procurei o ninho, mesmo nas grandes, mas sem sorte!
Em Roalde, os gaios eram os salteadores do milho temporão nas terras mais secas. Rasgavam as espigas e comiam os grãos ainda mal formados. Pela mão da avó materna, viúva a viver na nossa casa e apelidada de Mãezinha, assisti à colocação de espantalhos no milheiral da leira da Fonte do Monte, pois no lameiro, junto ao ribeiro, o milho mal espigava. Bonitos eram os bonecos espetados, em paus espalhados pelo campo e outros escondidos, entre as plantas, como se fosse o dono do campo a sachar, mas, mesmo assim, o investir não parava! A própria presença da Mãezinha não sortia efeito, era preciso bater em latas para fugirem em direção às matas próximas.
No ano seguinte, ajudado pelo paquete dos bois, Zé Pelado de Fermentões, e tendo observado o aparelho feito pelo Ernesto Nijo, construí uma taramela, para afugentar os gaios do milho, e dar descanso à avó, pois a leira ficava longe do pequeno povoado.
Lembro bem do fundo da lata, onde as duas bolas de chumbo batiam, acionadas pelo eixo do pára-vento, e da estaca bem alta, onde foi colocada entre espigas. O vento era muito e constante.
O tempo do milho temporão da Fonte do Monte, e como não tinha idade de ir para a Escola, era dedicado à aprendizagem da natureza. Passava horas, não sei se a ver a minha tramela a funcionar ou a ver os lindos gaios. Andar aos ninhos era outro negócio!...



Porto, 20 de junho de 2013

                                                                                  *José Gil Correia Monteiro

                                                                                       jose.gcmonteiro@gmail.com





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3 comentários:

500 disse...

Pois, na minha aldeia havia uma pequena ave, a que chamavam milheira, que desapareceu há muito, por falta de cultivo do milho alvo, comestível, e que merecia os mesmos instrumentos e o bater de palmas para a afugentar. Mas elas eram espertas: ao fim de pouco tempo percebiam que era tudo a fingir e comiam o milho com um à vontade desconcertante.

Anónimo disse...

Zorramigo

Ganda malha! Texto bué da fixe! Assim, dá gosto... Até me esqueço dos filhos da puta dos manguelas (des)governantes!!!

E o teu comentário é um primor; um mimo! Por isso, venho convidar-te a seres colaborador da nossa Travessa (30/40 linhocas, corpo 14, inteiramente à vontade de tu. Faz como se estivesses na minha casa... Diz que sim, senão enr..., ops, chateio-me

Finalmente: os postalitos só seguem na semana que vem; aguardo que me façam chegar (de Goa) outros, que os que tinha acabaram-se...

Abç

500 disse...

Obrigado, Henrique. O mérito, como é óbvio, pertence ao meu Amigo Zé Gil, a quem chateio com frequência para me enviar os seus saborosos textos. Mas ele é um manguela (cito o teu termo).
Grato pelo convite, mas já tenho que me baste.
Abr.
500