segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

LIDO

Nicolau Santos
Por Nicolau Santos
Diretor-Adjunto

28 de Dezembro de 2015

Os Emídios Catuns que nos pregaram um calote de 6,3 
mil milhões e andam à solta



Bom dia.


Desculpem, mas não há peru, rabanadas e lampreias de ovos que me façam 

 passar o engulho da fatura que neste final do ano veio parar outra vez aos 
 bolsos dos contribuintes por mais um banco que entrega a alma ao criador,
 no caso o Banif, no caso mais 3 mil milhões. É de mais, é inaceitável, é uma 
ignomínia para todos os que estão desempregados ou caíram no limiar da
 pobreza por causa desta crise e mais uma violência brutal para os que
 continuam a pagar impostos (e que são apenas cerca de 50% de todos
 os contribuintes).

Todos nos lembramos do cortejo dos cinco maiores banqueiros portugueses

(Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Nuno Amado, Faria de Oliveira e
 Carlos Santos Ferreira) a irem ao Ministério das Finanças e depois à TVI 
exigir ao então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, para pedir ajuda 
internacional. Todos nos lembramos como o santo e a senha da altura era o 
da insustentável dívida pública portuguesa por erros de gestão do Governo 
de José Sócrates. Todos nos lembramos das sucessivas reafirmações de que 
a banca estava sólida por parte do Banco de Portugal e do governador Carlos 
Costa. Todos nos lembramos dos testes de stress aos bancos conduzidos pela 
Autoridade Bancária Europeia – e como os bancos nacionais passaram sempre
 esses testes. E depois disso BPI, BCP, CGD e Banif tiveram de recorrer à linha 
de crédito de 12 mil milhões acordada com a troika. E depois disso o BES implodiu

– e agora o Banif também. E depois disso só o BPI pagou até agora tudo o que lhe 

foi emprestado. E antes disso já o BPN e o BPP tinham implodido. E a Caixa 
vai ter de
 fazer um aumento de capital. E o Montepio é uma preocupação. É de mais! 
Chega! Basta!

No caso do Banif, é claro que o governador Carlos Costa tem enormes 

responsabilidades na forma como o problema acabou por ter de ser resolvido. 
No caso do BES foi ele também que seguiu a estratégia da resolução, da criação 
do Novo Banco e do falhanço total dessa estratégia – a venda rápida que não
 aconteceu, a venda sem despedimentos que também não vai acontecer, os 17
interessados que afinal eram só três, as propostas que não serviam, e o banco 
que era para ser vendido inteiro e agora vai ser vendido após uma severa cura 
de emagrecimento. É claro também que a ex-ministra das Finanças, Maria Luís 
Albuquerque, tem responsabilidades diretas no caso, por inação ou omissão. 
E é claro que o ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, geriu politicamente 
o dossiê.

Mas não confundamos os políticos e o polícia com os bandidos, com os que 

 levaram a banca portuguesa ao tapete. E para isso nada melhor do que ler o 
 excelente texto que o Pedro Santos Guerreiro e a Isabel Vicente escreveram 
na revista do Expresso da semana passada com um título no limite mas que é
 um grito de alma: «O diabo que nos impariu» - ou como os bancos nacionais 
destruíram 40 mil milhões desde 2008. Aí se prova que houve seguramente 
muitos problemas, mas que a origem de tudo está no verdadeiro conúbio lunar 
que se viveu entre a banca e algumas empresas e alguns empresários do setor da 
construção. Perguntam os meus colegas: «Sabe quem é Emídio Catum? É um desses empresários da construção, que estava na lista de créditos do BES com empresas 
que entretanto faliram. Curiosamente, Catum estava também na lista dos maiores 
devedores ao BPN, com empresas de construção e imobiliário que também faliram».
 E como atuava Catum? «O padrão é o mesmo: empresas pedem crédito, não o pagam, 
vão à falência, têm administradores judiciais, não pagam nem têm mais ativos para
pagar, o prejuízo fica no banco, o banco é intervencionado, o prejuízo passa para o
 Estado». Simples, não é, caro leitor?

A pergunta que se segue é: e o tal de Catum está preso? Não, claro que não. E assim, 

de Catum em Catum, ficámos nós que pagamos impostos com uma enorme dívida 
para pagar que um dia destes vai levar o Governo a aumentar de novo os impostos 
 ou a cortar salários ou a baixar prestações sociais. Mas se fosse só o Catum…
 Infelizmente, não. Até as empresas de Luís Filipe Vieira deixaram uma dívida 
de 17 milhões do BPN à Parvalorem, do Estado, e tinham ainda por pagar 600 
 milhões de crédito do BES. O ex-líder da bancada parlamentar do PSD, Duarte Lima, 
deixou perdas tanto no Novo Banco como no BPN. Arlindo Carvalho, ex-ministro 
cavaquista, também está acusado por ilícitos relacionados com crédito concedido 
pelo BPN para compra de terrenos. E um dos homens fortes do cavaquismo, 
Dias Loureiro é arguido desde 2009 por compras de empresas em Porto Rico e
 Marrocos, suspeita de crimes fiscais e burlas. Mas seis anos depois, o Ministério 
Público ainda não acusou Dias Loureiro, nem o processo foi arquivado.

Dos 50 maiores devedores do BES, que acumulavam um crédito total de dez mil 

milhões de euros, «o peso de construtores e promotores imobiliários é avassalador».
No BPN, «mais de 500 clientes com dívidas iguais ou superiores a meio milhão de 
euros deixaram de pagar». E a fatura a vir parar sempre aos bolsos dos mesmos. 
Por isso, o artigo de Pedro Santos Guerreiro e Isabel Vicente é imperdível. Para
ao menos sabermos que o que aconteceu não foi por acaso. Que muita gente não
 pagou o que devia ou meteu dinheiro ao bolso – e esperou calmamente que o
 Estado viesse socializar os prejuízos enquanto eles privatizaram os lucros.


Nicolau Santos, in Expresso online

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