segunda-feira, 9 de maio de 2016

POESIAS ANTIGAS




Quem, hoje, conhece este poeta?
Recordo o poema lá muito longe...








Saudades! Tenho saudades
Desses tempos que lá vão!
Quando à porta do quinteiro
Eu jogava o meu pião;
Quando no campo corria
Cum papagaio na mão.

Oh, que então eram, na terra,
Tudo venturas pra mim!
Meu pai me dava biscoitos,
Minha mãe beijos sem fim;
Minha avô me defumava 
De manhã, com alecrim.

Por entre os prados amenos
Como, contente, eu saltei
Com meu chapéu de dois bicos
Que dum papel arranjei,
E em grosso pau a cavalo,
Mais orgulhoso que um rei!
De ser cristão, nessa idade,
Tendo já nobre altivez,
De papelão com a mitra
Que o mano António me fez,
Ao pé da minha igrejinha
Bispo fui por muita vez.
Nos inocentes folguedos
Eu via o tempo voar;
Se um dia vinha um sopapo
Que me obrigava a chorar,
Depois, de mimos coberto,
Eis-me a rir, eis-me a brincar.
Meu piao idolatrado,
Que será feito de ti?
Papagaio da minh'alma,
Há que tempo te não vi!
Doces biscoitos de outrora,
Quem mos dera agora aqui!
Meigos beijos, inocentes,
Como ainda me lembrais!
Cheirosos defumadores,
Que saudades me inspirais!
Meu lindo chapéu de bicos,
Não me enfeitarás jamais.

Grosso pau em que montava,
Em cinzas, talvez, será.

A mitra, com que fui bispo,
Esfarrapada foi já.
E a minha bela igrejinha
Em que mãos hoje estará!

Da infância a negra saudade
Que à desgraça. me reduz,
A minh'alma espevitando
Tem quase apagada a luz:
Só vivo até que meu peito,
As escuras, diga: truz!



Autor: Faustino Xavier de Novais (1820-1869)

5 comentários:

Kim disse...

Bonito, na sua aparente simplicidade; não conhecia

Janita disse...

Poema admirável e belíssimo, de uma simplicidade imensamente tocante.
Já não se escrevem poemas assim!
Hoje qualquer um se diz poeta.
Bastam uma frases rimadas ou um texto desconexo e já tem honras de poeta.

Há lá coisa mais linda do que isto?:

Nos inocentes folguedos
Eu via o tempo voar;
Se um dia vinha um sopapo
Que me obrigava a chorar,
Depois, de mimos coberto,
Eis-me a rir, eis-me a brincar.

Lindo. Parabéns!!

Beijinhos.

:)

500 disse...

Diz, a meu ver (que sou suspeito) e muito bem que hoje qualquer uma(a) é poeta. A candura e simplicidade deste poema são admiráveis.
E não me diz nada do arrancor alentejano? Não gostou, é?
bji.

Janita disse...

A vingança dos compadres já conhecia...:)

Na minha versão, foi a ela que lhe passou o rancori.

500 disse...

Pois a mim cheira-me que foi a ele, mas tratando-se de alentejanos nunca se sabe.