sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

LIDO: OS ABONOS

O abono para tocar o sino



O leitor sabia que o Estado gasta, todos os anos, 1,4 milhões de euros num suplemento entregue aos motoristas dos vários ministérios para estes trazerem as viaturas limpinhas? Eu não sabia, mas é verdade.
O leitor sabia que, até 2013, uma coisa chamada "abono mensal para o toque do sino nas cerimónias solenes e colocação das bandeiras" custava ao Estado 1496 euros por ano? Eu não sabia, mas é verdade.
O leitor sabia que os ministérios da Educação e da Ciência pagam um "suplemento indeterminável" (sic) a 49 pessoas que custa, todos os anos, 41.693 euros? Eu não sabia, mas é verdade.
O leitor sabia que existe um suplemento pago a funcionários públicos intitulado "suplemento n.d. (dados não disponíveis)"? Eu não sabia, mas é verdade. Este é um bocadinho mais caro: custa 1,1 milhões de euros por ano e é pago a 433 pessoas que trabalham nos ministérios da Economia, Educação, Finanças e Saúde.
E por aí fora, num rol de suplementos com nomes curiosos, para dizer o mínimo, mas de eficácia duvidosa, na exata medida em que não se pode aquilatar da sua real necessidade e utilidade por não se saber exatamente o que são. Ao todo, o Estado paga, anualmente, 700 milhões de euros na atribuição de 280 suplementos salariais a funcionários públicos, qualquer coisa como 5% da despesa total em salários. E estes extras não incluem gastos com subsídio de alimentação, horas extraordinárias e ajudas de custo!
O caráter inaudito do que aqui fica dito, publicado na última edição da revista "Sábado", não é, por si só, um problema grave. A não ser nos casos em que, para aumentar os salários (e por essa via a despesa pública), o Estado deu caráter permanente a complementos que eram transitórios. Os funcionários do FMI toparam a marosca: primeiro, devem ter rido a bandeiras despregadas com a coisa; mas depois franziram o sobrolho, ao perceber que, em média, 14% da remuneração mensal dos funcionários públicos é resultado destes convenientes complementos.
O caráter inaudito do que está dito é, porém, um extraordinário exemplo do modo como chegamos aqui: passo a passo, irresponsavelmente, acreditando que o dinheiro é elástico e chegaria sempre para pagar favores, calar os descontentes e sossegar os sindicatos que erguem ameaçadoramente a bandeira dos direitos adquiridos sempre que alguém ameaça beliscar o que está, mesmo que esteja mal.
A parede foi-se aproximando, mas nós continuamos a acelerar, pensando tratar-se de uma miragem. Não era. Os reformados e pensionistas que ontem ficaram a conhecer a extensão da nova pancada no seu rendimento precisavam, agora mais do que nunca, de um suplemento. É tarde. Não há dinheiro. Foi gasto noutros suplementos...

Paulo Ferreira, in JN



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