domingo, 22 de fevereiro de 2015

LIDO (2)

Da indignidade, da vergonha e da humilhação

por Nuno Saraiva

Não faço a mínima ideia se os relatos sobre a reunião
do
 Eurogrupo que dão conta de que Portugal, de braço 
dado 
com Espanha, se comportou como pau de cabeleira, 
isto é, 
empata-acordos, são verdadeiros. Não me chegam as 
palavras
 vagas do ministro holandês que preside ao 
"clube dos 19". 
Tenho aliás a tentação de confiar muito mais no que 
diz 
Yanis Varoufakis - afinal de contas, e ao contrário de 
outros que bem conhecemos, não rasgou as promessas 
que fez aos seus 
eleitores mal se apanhou no poder - que, com elegância, 
se referiu ao assunto, do que na retórica de alguém 
que é 
cúmplice da humilhação continuada a que gregos e 
portugueses têm sido sujeitos.
E sim, é de humilhação que se trata quando em 
causa está a dignidade de um país inteiro. Seja em Portugal ou na Grécia, é disto que estamos a falar. Senão, vejamos. Que outra palavra pode ser
 utilizada que não seja humilhação, quando 
assistimos à exibição da ministra das Finanças,
 Maria Luís Albuquerque, toda contentinha e bem amestrada no papel de aluna exemplar, pelo seu 
chefe alemão, Wolfgang Schäuble? Que outro sentimento podemos ter que não seja de repulsa 
pela indignidade que significa um governo 
vangloriar-se da sua obediência cega a Berlim, 
incapaz de reconhecer que o "austericídio" 
deixou um rasto de 1,2 millhões de 
desempregados - são os números do desemprego
 real -, uma vaga de emigração de mais de 300 mil pessoas em três anos, um aumento da pobreza para níveis de há várias décadas, um recuo da confiança dos empresários no investimento para patamares negativos, um crescimento económico anémico de 0,9% em 2014 que não compensa sequer 
a contração da economia em 1,5% em 2013? 
Como é que alguém com um pingo de vergonha, confrontado com a realidade dos factos, consegue insistir que tudo 
correu bem? Que outra expressão que não seja vexame podemos usar para classificar a atitude de quem, por mero preconceito, faz tudo para que o governo, democrática e legitimamente eleito pelos gregos, falhe e ainda diz, com orgulho e perfídia, que "eles [os gregos] vão ter muita dificuldade em explicar este acordo aos eleitores"?
Na verdade, esta gente só tem um propósito que é mostrar que manda, que tem o poder de vergar 
e pisar quem muito bem entende. Não se trata de diabolizar a Alemanha ou os alemães. Até porque, 
certa e seguramente, nem todos serão capazes de ostentar um cartaz que diga "Ich bin Schäuble!".
Sejamos claros. Aquilo que o primeiro-ministro e alguns dos seus correligionários protagonizaram nesta semana, bem como em todas as anteriores dos últimos três anos, foi só mais um episódio da 
narrativa moral e subserviente que começaram a escrever em 2011, quando aceitaram acriticamente seguir as ordens de uns mangas de alpaca que ninguém elegeu, que aterravam em Lisboa de três 
em três meses. E mesmo perante o ato de contrição, ainda que tardio, do presidente da Comissão Europeia, Passos Coelho preferiu continuar de joelhos, entrincheirado na barricada de quem parece desprezar os mais elementares valores da solidariedade europeia.
Foi aliás isso que Jorge Sampaio veio dizer quando recordou que "Portugal, desde que entrou para a UE, esteve sempre na formação dos consensos necessários", e que, "nos tempos que vamos vivendo, os países que têm sofVeremos se algum dia o atual governo vislumbra a luz e percebe que assumir que errou não é estúpido. E que abanar o rabo em vez de bater o pé é não se dar ao respeito e permitir que o povo que representa seja tratado de forma indigna e humilhante.
rido mais não devem pôr-se uns contra os outros".

Nuno Saraiva in DN 

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